O Globo, n. 31484, 19/10/2019. País, p. 6

‘Ele tenta comprar a eleição do filho dele’

Entrevista: Delegado Waldir


O líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir (GO), afirmou ontem que o presidente Jair Bolsonaro tentou “comprar a eleição do filho dele”, Eduardo, para substituí-lo na liderança oferecendo cargos. Ele afirmou que existem “milícias virtuais’’ atuando dentro do Palácio do Planalto. A Executiva do PSL puniu cinco deputados da ala bolsonarista com suspensão de atividades partidárias, o que os impede de auxiliar o presidente Bolsonaro na luta pelo controle da sigla. O Planalto acionou a Advocacia-Geral da União para processar criminalmente Delegado Waldir.

O líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir (GO), afirma que o presidente Jair Bolsonaro tentou comprar com cargos votos na disputa interna do partido para eleger Eduardo Bolsonaro (SP) para o seu lugar. Ele disse também que a legenda vai pedir a cassação do mandato de seis deputados federais do partido que estão no grupo dos bolsonaristas. Segundo Delegado Waldir, existem grupos de milícias virtuais “contratados que foram levados para dentro do Palácio do Planalto” e que, no momento, ele é a “pessoa mais odiada por esses grupos de direita”. Bolsonaro a recorreu ontem à Advocacia-Geral da União (AGU) para processar criminalmente Waldir por causa das declarações de que iria “implodir” o presidente.

Em um áudio vazado para a imprensa, o senhor chamou o presidente Jair Bolsonaro de ‘vagabundo’...

Eu não menti.

Mas por que o senhor chama o presidente de vagabundo?

Eu sou um dos quatro votos que ele teve quando disputou a presidência da Câmara. O filho dele estava surfando e eu estava votando nele. Desde aquela época, ele já construía a candidatura à Presidência, e eu estava ao lado dele. Depois, ano passado, quando ele foi para o PSL, eu fui um dos oito parlamentares que foram com ele. Eu abri mão de R$ 2,5 milhões que teria no PR para acompanhá-lo. Fui eu que segurei todas as pautas econômicas que iam explodir no início do governo dele. Era final do governo Temer e eu, sozinho em plenário, como líder que estava naquele momento, segurei as pautas-bomba. Andei em 246 municípios de Goiás no sol, arriscando a minha vida em cima de um carro de som, pedindo votos e gritando o nome dele.

O que é a chave do cofre citada pelo senhor?

A chave do cofre é o fundo partidário. Nós temos eleições o ano que vem, e o presidente da República quer tomar a chave do partido. Não foi esse o combinado. Ele combinou com o presidente Bivar que queria apenas o partido para se candidatar a presidente. Luciano Bivar fez isso, e agora ele (Bolsonaro) quer tomar o partido, o controle de todos os diretórios do país e controlar todos os recursos financeiros da campanha eleitoral que vai acontecer no ano que vem.

Mas hoje o controle dos diretórios já está na mão do Bivar?

Sim, mas o presidente Jair Bolsonaro pediu o controle integral, e que o presidente Bivar fique apenas como presidente honorífico.

O senhor tem mais áudios para “implodir” o presidente Bolsonaro?

Não, não tenho nenhum áudio do presidente. O áudio que eu falei foi sobre o diálogo que o Brasil todo ouviu, em que ele tenta comprar a eleição do filho dele para líder do PSL na Câmara, dizendo que os partidos têm muitos cargos, com fundo partidário, e que ele precisa do controle de tudo isso. É um áudio bombástico.

O senhor acusa o presidente de comprar votos. Pensa em entrar com alguma medida na Câmara?

Isso quem tem que decidir é o Parlamento e os partidos, se entenderem que é motivo para pedir um impeachment. A gravação é clara. E mais: ontem (quinta-feira), os ministros da Educação, Abraham Weintraub, e da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, estavam ligando para parlamentares, pedindo para colocar Eduardo como líder do PSL. É justo isso?

Por que o senhor acha que o presidente mudou a conduta em relação ao senhor?

Não estou numa briga pessoal. Estávamos extremamente pacíficos e quietos, mas em razão da conduta do presidente de agredir Luciano Bivar e em seguida mandar a Polícia Federal avançar em uma investigação que já caminhava há oito meses. Busca e apreensão se faz no início da investigação. Não precisa ensinar ninguém a fazer investigação. Não se faz oito meses depois da investigação iniciada. É um grande circo. Está usando o governo para tentar perseguir pessoas próximas a si. Não podemos esquecer também que ele chutou Bebianno (Gustavo, ministro demitido), Santos Cruz (ministro demitido) e Magno Malta (senador cotado para ministro e escanteado). Muitas pessoas que estavam com ele levaram chute no traseiro.

Como fica a situação dos 5 deputados suspensos? Não podem assinar listas para mudar a liderança...

Não, não podem. Nós vamos pedir também, representando no Conselho de Ética, a cassação do mandato desses cinco parlamentares. Além de pedir a cassação do mandato também do deputado que fez a gravação. (O deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) assumiu a autoria da gravação) . Ele não atacou o Delegado Waldir. Ele atacou o parlamento.

Como funcionam essas milícias virtuais?

Existem grupos contratados que foram levados para dentro do Palácio do Planalto, existem pontos comandados do Rio de Janeiro. Eu mesmo estou sendo vítima dessas milícias. Esses grupos são contratados para destruir a honra e a moral das pessoas. Neste momento, sou a pessoa mais odiada por esses grupos de direita.

O senhor pretende tomar alguma medida?

Vamos avançar na CPMI das Fake News. Espero que a Polícia Federal seja independente e o doutor Moro seja independente e abra investigação. Eu vou pedir investigação ao ministro da Justiça e ao presidente da Câmara. Vou abrir minhas redes sociais para descobrirem quem são esses agressores que estão atacando a imagem das pessoas.

O senhor vê participação dos filhos do presidente nesses ataques das redes sociais?

O Carlos foi o coordenador da campanha presidencial das redes sociais. E o governo estava apavorado com a CPMI das Fake News porque poderia atingir o filho do presidente.

O senhor vê o Carlos como responsável?

Não posso falar isso.

Como é possível uma reconciliação entre Bolsonaro e o PSL? Apenas com um gesto do presidente?

Só um gesto dele. Eu não fiz nada. Não agredi ninguém.

Acha possível?

Você precisa perguntar ao presidente, não para mim.

A tendência então é o ambiente ficar ainda mais conflagrado. Onde essa guerra pode parar?

Na verdade, é uma decisão de quem está do lado de lá. Nós não vamos convocar uma guerra. Nós não provocamos nenhuma situação dessa, não criamos nada disso. Essa é uma crise criada pelo presidente da República.

O senhor está decepcionado com o presidente?

Sim. Tenho razão ou não?

É preciso pedir desculpas em público?

É necessário pedir desculpas, é necessário ser humilde, é necessário não atacar as pessoas, é necessário continuar o combate à corrupção. É necessário não passar a mão na cabeça de ninguém, nem que seja um filho meu.