O Globo, n. 31483, 18/10/2019. País, p. 6

Toffoli: ‘Julgamento não se refere a situação particular’

Carolina Brígido
André de Souza


O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou ontem o julgamento que deve rever a orientação atual da Corte de permitir a prisão de condenados em segunda instância. A primeira sessão foi dedicada à manifestação dos advogados interessados na causa. Os 11 ministros devem iniciar a votação na próxima quarta-feira. Logo no começo da sessão, o presidente do tribunal, Dias Toffoli, disse que o julgamento não se refere a um réu específico, mas terá consequência para todo o sistema de Justiça do país. Caso a orientação do tribunal de fato mude, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva poderá ser beneficiado.

— As ações definirão o alcance da norma constitucional e o entendimento que aqui emanará, independentemente de sua conclusão, servirá de norte para todos os magistrados do país e de todos os sistema de Justiça. Que fique bem claro que as presentes ações e o presente julgamento não se referem a nenhuma situação particular. Estamos diante de ações abstratas de controle de constitucionalidade. O objetivo é, dada a provocação que vem, porque o Judiciário não age de maneira própria, de ofício, dar o alcance efetivo e a interpretação a uma das garantias individuais previstas na nossa Constituição Federal —disse Toffoli, concluindo:

— Esse entendimento se estenderá a todos os cidadãos brasileiros sujeitos à sua eventual aplicação, sem distinção.

Reclamação

Em seguida, o relator, ministro Marco Aurélio Mello, leu um resumo das ações que vão ser analisadas, sem antecipar seu voto. Ele citou a decisão de Toffoli, que, em dezembro do ano passado, suspendeu uma decisão sua, que determinava a liberdade de condenados em segunda instância que ainda tinham recursos a serem analisados. Ponderou que Toffoli agiu de acordo com o regimento, uma vez que as decisões foram tomadas durante o recesso do Judiciário, quando o presidente trabalha em regime de plantão e os demais ministros deixam de despachar. Mas reclamou:

— É inconcebível visão totalitária e autoritária no Supremo. Os integrantes ombreiam, têm acima apenas o colegiado. O presidente é apenas coordenador, e não superior hierárquicos dos pares. Coordena, simplesmente coordena os trabalhos do colegiado. Fora isso é desconhecer a ordem jurídica, a Constituição Federal, as leis e o regimento interno, enfraquecendo a instituição, afastando a legitimidade das decisões que profira. Tempos estranhos em que verificada até mesmo a autofagia. Aonde vamos parar?

Os três primeiros advogados a se manifestarem no plenário representaram o Patriota, partido autor de uma das ações sobre as prisões de condenados em segunda instância. Embora a legenda defensa as prisões antecipadas, os defensores se limitaram a pedir que o tribunal defina logo o assunto. O advogado Heracles Marconi Góes da Silva começou citando a Bíblia e lembrando o slogan da campanha do presidente Jair Bolsonaro: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”.

— Não sou teórico do Big Bang, não sou terrivelmente evangélico, mas sou evangélico. Peço licença a todos, porque o Estado é laico, para dizer que temos novos ares, o Brasil passou por um processo eleitoral muito concorrido —afirmou.

Depois da defesa do Patriota, mais de dez advogados se manifestaram —todos contra as prisões em segunda instância.