O Globo, n.31.587, 30/01/2020. Sociedade. p.33

Cresce o alerta
André de Souza 
Guilherme Caetano 


 

O Brasil tem nove pacientes com suspeita de infecção pelo novo coronavírus e nenhum confirmado, informou ontem o Ministério da Saúde. Os casos suspeitos foram registrados em São Paulo (3), Santa Catarina (2), Minas Gerais (1), Rio de Janeiro (1), Paraná (1) e Ceará (1). Anova cepa do vírus, identificado como 2019-nCoV, causa febre e problemas respiratórios, ejá matou 170 pessoas, todas na China, e infectou mais de sete mil em 16 países.

— Sabemos que, daqui para afrente, os números vão crescer muito—disse o secretário executivo do Ministério da Saúde, João Gabbardo dos Reis, para quem o problema “não terminará rapidamente”.

No fim do dia, as secretarias estaduais de Saúde do Paraná

e de Santa Catarina descarta ramas três suspeitas registradas no estado, masa informação não foi ratificada pelo Ministério da Saúde, que já havia descartado quatro casos (três no Rio Grande do Sul eu mano Paraná ).

Em São Paulo, os pacientes são duas crianças e um homem de 33 anos. O menino, de 6 anos, apresentou sintomas de febre e tosse. Ele voltou de uma viagem da China no último dia 19. Sua irmã, de 4 anos, não viajou, mas teve contato com o menino e os mesmos sintomas. Os dois foramatendidos no Hospital Infantil Cândido Fontoura, na Zona Leste da cidade.

O terceiro caso monitorado é de um homem que retornou da China no dia 20. Ele apresentou febre, tosse e dor de garganta e foi atendido em um hospital privado da capital.

Segundo a Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, todos estão bem e estáveis, recebendo cuidados em casa e isolados de contatos com pessoas e ambientes externos.

No Ceará, um homem que voltou da China no último dia 17 está internado em Sobral, a cerca de 230 km da capital, Fortaleza. Segundo a secretaria de Saúde do estado, ele está internado em isolamento e com quadro estável.

Outras 20 notificações feitas em sete estados foram excluídas. Elas não teriam se enquadrado na definição de caso suspeito estabelecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), ou seja, pessoas que apresentaram febre e pelo menos um sinal ou sintoma respiratório, como tosse ou dificuldade para respirar. Além disso, é preciso ter estado na China nos 14 dias anteriores ao aparecimento dos sintomas. Até então, o ministério considerava suspeitas pessoas vindas de apenas duas províncias chinesas com transmissão local. Agora, está considerando todo o país.

APREENSÃO EM VOOS

Passageiros que desembarcaram em São Paulo, ontem à noite, vindos de diferentes locais da Ásia, revelaram preocupação com o coronavírus. No aeroporto internacional, em Guarulhos, muitos chegaram com máscaras.

Moradora dos Emirados Árabes, Fernanda Lo Re, de 31 anos, veio visitara família:

—No avião, agente ficava atento se tinha alguém espirrando, alguém com tosse. Os orientais estavam mais preocupados, todos usando máscara e até luvas.

Maria Alice ,56, se disse surpresa coma diferença entre o aeroporto brasileiro e os terminaisasiáticos. Ela passava as férias em Bangcoc, capital da Tailândia, onde eram distribuídas máscaras aos passageiros.

— Nos aeroportos de Bangcoc e de Doha (no Qatar) ,as pessoas do atendimento estavam todas de máscara. Aqui no Brasil não tem ninguém com máscara. Isso chama a atenção. Tinham pessoas de nacionalidade chinesa no voo.

De férias na China, dois estudantes brasileiros, que não quiseram se identificar, adiantaram o retorno ao Brasil por pressão dos pais.

—Lá as pessoas estavam lavando as mãos, se protegendo. A gente não estava tão preocupado, mas vamos continuar usando a máscara no Brasil mais alguns dias, para tranquilizar as outras pessoas —disse uma estudante.

ISOLADOS EM WUHAN

Governos de todo o mundo se mobilizam para retirar seus cidadãos da China. Anteontem, um avião fretado levou 240 americanos de Wuhan para Anchorage, a maior cidade do Alasca, nos Estados Unidos.

O Japão já retirou 206 pessoas e pretende fretar novos voos. Cerca de 200 cidadãos britânicos foram levados de Wuhan e permanecerão em quarentena por duas semanas em uma base militar do Reino Unido. A Austrália quer levar cerca de 600 cidadãos que moram na província de Hubei. A Itália anunciou que enviará hoje um avião para repatriar seus cidadãos.

Já o governo brasileiro manteve a decisão de não repatriar quem vive na região da epidemia, apesar dos apelos de um grupo de 31 pessoas, a maioria estudantes, que pede ajuda para deixar a China.

Segundo o Itamaraty, o total de brasileiros residentes na região chega a 70, e o governo diz manter contato com a embaixada em Pequim para acompanhar a situação.

O QUE JÁ SE SABE

O que é o coronavírus?

Nomeado a partir de sua forma circular, o coronavírus (CoV) denomina uma ampla família de vírus à qual pertencem as cepas que causaram, por exemplo, a Sars e a Mers. Já se sabe que a atual pneumonia misteriosa é causada por uma cepa que os cientistas ainda não conheciam, identificada como 2019-nCoV.

Quais são os sintomas?

Nariz entupido, tosse, garganta inflamada, mal estar, febre e dor de cabeça. Segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA, a maior parte das pessoas contrai algum tipo de coronavírus durante a vida, e tende a se curar em poucos dias. Mas algumas variantes, como este novo coronavírus, podem afetar gravemente o sistema respiratório, causando pneumonia, sobretudo em indivíduos muito novos ou muito idosos, portadores de doenças cardiopulmonares ou com sistema imunológico debilitado.

Como é o contágio?

O coronavírus, em geral, é transmitido pelo ar, por meio de grandes gotículas expelidas na respiração, ou por contato direto ou indireto com secreções. Como esse vírus foi descoberto recentemente, ainda não foi possível detalhar sua rota de transmissão.

O QUE AINDA É MISTÉRIO

Quão letal é esse coronavírus?

Ainda é cedo para saber. Os primeiros casos de morte por pneumonia na China indicaram que ele poderia ser muito letal, mas agora o perigo parece um pouco menor. Até agora, a taxa de letalidade (2%) se mostrou menor que as dos vírus da Sars (10%) e da Mers (35%), protagonistas de outras crises de saúde iniciadas na China. Mas, como nem todos os casos do novo coronavírus são conhecidos e há a certeza de que ele ainda está em expansão, a taxa de letalidade pode mudar.

Quão contagioso é o vírus?

Já se sabe que passa de uma pessoa para outra, mas não em qual proporção. Até agora, a OMS estima que o novo coronavírus seja tão contagioso quanto o vírus da Sars, a síndrome respiratória aguda grave de 2002 a 2003, ou o da gripe H1N1, que causou a pandemia de 2009. A falta de dados completos da China dificulta os cálculos.

Qual a chance de pessoas sem sintomas espalharem o vírus?

Normalmente, os vírus são transmissíveis na fase em que os sintomas se manifestam. Mas, a partir da observação de famílias com casos confirmados, o governo chinês declarou que pessoas infectadas sem sintomas aparentes podem transmitir o novo coronavírus. Se a transmissão assintomática for confirmada, será mais difícil conter o vírus.

Qual a origem do vírus?

A suspeita é que ele se originou num animal e passou para o ser humano em um mercado de Wuhan,

na província de Hubei. Lá, animais como cães, gatos, ratos, morcegos e cobras são confinados vivos em péssimas condições até que sejam comprados, mortos e consumidos. Um grupo de cientistas lançou a hipótese de que o vírus veio de cobras, mas análises genéticas posteriores indicaram maior proximidade com morcegos. Outras espécies animais consumidas pelos chineses podem ser avaliadas, e a questão segue em aberto. Descobrir o hospedeiro natural ajudará no controle da epidemia e a prevenir outras.

O que o genoma do vírus diz?

Não se sabe ao certo. O código genético do vírus continua a ser investigado para confirmar a data em que emergiu e quais mutações sofreu desde então. É um caminho para desenvolver medicamentos e vacinas.

Qual a chance de o vírus chegar ao Brasil?

Para especialistas, a probabilidade é alta, mas não há motivo para pânico. O país não tem nenhum caso confirmado até agora. São nove suspeitos envolvendo pessoas que vieram da China nas últimas duas semanas. O Centro de Operações de Emergência (COE) do governo opera no estágio de “perigo iminente”, o segundo dos três níveis. No mundo, 16 países já têm casos confirmados. Dos pouco mais de 6 mil infectados, só 92 estão fora da China.

Como se prevenir?

O Ministério da Saúde recomenda evitar contato com pessoas que tenham sintomas suspeitos. É preciso redobrar cuidados com higiene, como lavagem frequente das mãos, principalmente antes de consumir algum alimento. Também estão entre as recomendações: o uso de lenço descartável; cobrir nariz e boca quando espirrar ou tossir; evitar tocar mucosas de olhos, nariz e boca; não compartilhar objetos, como talheres, pratos, copos ou garrafas; e manter ambientes ventilados.