O Globo, n. 31504, 08/11/2019. Opinião, p. 2

Crise impõe uma redução do número de municípios


Merece apoio a iniciativa do governo federal de propor ao Congresso uma revisão do mapa político-administrativo brasileiro para redução do número de municípios.

A proposta de emenda constitucional prevê a extinção das estruturas municipais das cidades com até cinco mil habitantes que não conseguirem comprovar sua sustentabilidade financeira até o dia 30 de junho de 2023.

Cidades com arrecadação abaixo de 10% da receita total perderiam a autonomia e respectiva estrutura administrativa, composta por prefeitura e Câmara de Vereadores. Ficariam sujeitas à fusão com a vizinhança mais rica, ou seja, com maior capacidade de receita própria derivada de Imposto sobre Serviços (ISS), Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI).

Existem 5.568 municípios. Estima-se que mais de 1.120 poderiam vir a ser extintos. Significaria um corte expressivo em despesas públicas, com algumas consequências liminares, entre elas a diminuição do número de prefeitos e vereadores em quase todos os estados.

A reação foi imediata e proporcional. A influente Confederação Nacional dos Municípios anunciou férrea oposição. Começou esgrimindo com o argumento de que fusão de municípios só pode ocorrer mediante plebiscito nas comunidades envolvidas: “Proposta em contrário fere o princípio federativo, que é cláusula pétrea no ordenamento constitucional” — julga.

No entanto, até mesmo a confederação dos prefeitos reconhece a necessidade de rediscussão dos fundamentos da autonomia política e administrativa municipal. Em comunicado, observou ser urgente redefinir “quais são as responsabilidades de cada município, qual a estrutura administrativa que esse deve ter, quais as competências e, sobretudo, qual o apoio que deve ter dos estados e da União, que se afastam gradativamente da oferta de serviços aos cidadãos”.

É necessário, sim, discutir os critérios, a metodologia para definição do conceito de sustentabilidade dos municípios, se é razoável a linha de corte sugerida (10% de arrecadação própria em relação à receita total) ou seria mais adequada outra métrica.

Há ainda aspectos relevantes que se deve ponderar: 22,5% das cidades têm até cinco mil habitantes e não passam de pequenas aglomerações urbanas em meio a extensas zonas rurais, responsáveis por cerca de 26% do Produto Interno Bruto.

Goste-se ou não da proposta governamental, é preciso admitir sua coerência com o projeto de modernização do Estado brasileiro. E, principalmente, reconhecer seu valor intrínseco. É uma iniciativa ímpar pelo potencial de provocar o debate sobre a revisão do mapa político-administrativo brasileiro, com o realismo que a crise fiscal impõe.