O Globo, n. 31505, 09/11/2019. Sociedade, p. 32

Novo suspeito?
Rafael Garcia


A hipótese de o vazamento de óleo no Nordeste ter sido causado por navio fantasma voltou a ganhar força. Empresa que monitora tráfego naval no mundo identificou mancha negra depois de passagem de embarcação sem sinal pelo litoral potiguar em 24 de julho.

Um navio que passou no litoral potiguar em 24 de julho e deixou um rastro negro visível numa imagem de satélite não era localizável por meio de transponder na ocasião, sinal de que pode ser uma embarcação fantasma. A informação é da multinacional grega Marine Traffic, que monitora tráfego naval no planeta inteiro.

A pedido do GLOBO, a empresa fez uma busca em seu banco de dados para cruzar com a imagem de satélite, que mostrava a embarcação 40 km ao norte de São Miguel do Gostoso (RN) entre 8h e 8h06 do dia 24 de julho. A foto mostrava três pontos brancos (embarcações), mas os dados de transponder registraram a presença de apenas uma: um cargueiro de veículos americano, que navegava na direção contrária ao rastro observado, portanto não poderia tê-lo gerado.

O navio é alvo de cientistas na investigação sobre derramamento de óleo no Nordeste. A imagem de satélite em questão foi encontrada pelo Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis), da Universidade Federal do Alagoas, no banco de dados do satélite europeu Sentinel-1A.

Segundo Humberto Barbosa, cientista que lidera o laboratório em Maceió, os sensores usados para fazer a imagem são adequados para capturar o contraste entre óleo e água, porque leem propriedades elétricas da água. O satélite não fez o acompanhamento da embarcação porque aquele sensor específico só registra aquela região do litoral uma vez a cada 12 dias.

A Marine Traffic, que tem sede na Grécia, porém, registrou as trajetórias dos cinco navios gregos que o governo brasileiro destacou como suspeitos pelo derramamento. Mas, segundo o Lapis, nenhum deles teve trajetória que se encaixasse na fotografia. Eles são o Bouboulina (tido pela Marinha como principal suspeito), Maran Apollo, Maran Libra, Cap Pembroke e Minerva Alexandra.

Barbosa, que analisou as rotas levantadas pela Marine Traffic, diz que não acredita, em princípio, na culpabilidade de nenhum deles. — Datas e outras particularidades eliminam a suspeita — afirma.

Os nomes dos navios foram divulgados pela empresa Delta Tankers, operadora do Bouboulina, que recebeu cópia do ofício que o governo do Brasil enviou à autoridade naval da Grécia.

Registro global

A Marinha Brasileira não informou se enviou ofício a outros países, mas revelou alguns detalhes da investigação, como a busca por navios que estivessem carregando petróleo venezuelano. Segundo Giorgios Hatzimanolis, porta-voz da Marine Traffic, não é certeza que um navio com transponder desligado esteja necessariamente se escondendo, mas alguns o fazem.

— Na maioria dos casos, estão fazendo algo ilegal ou movendo mercadoria para dentro e para fora de países que sofrem sanções, como a Venezuela — afirma.

Três dos navios gregos investigados passaram pela Venezuela, mostram dados da empresa, mas com o transponder ligado.

Apesar de tomarem direções diferentes, tanto as investigações da HEX — que embasaram a suspeita da Marinha sobre o Bouboulina — quanto as do Lapis sobre o derramamento de óleo no Nordeste usam dados do site grego Marine Traffic. Caso o culpado pela mancha de óleo não seja navio fantasma, sua rota deve estar em algum lugar no mar de dados que a empresa armazena.

— É uma exigência legal da Organização Marítima Internacional que todas as embarcações com tonelagem bruta acima de 25.000 t tenham transponder de AIS (sistema de identificação automático) e transmitam sua posição ao menos uma vez por dia. Muitos transmitem suas posições a cada minuto, por razões de segurança — conta Hatzimanolis.

Segundo ele, os servidores da Marine Traffic armazenam dez anos de dados de tráfego global. —Temos a maior cobertura, com mais de 3 mil receptores (de transponder) terrestres, e trabalhamos com três empresas de satélites — afirma. — Recebemos posição de 190 mil navios por dia. Num bom dia, esse número pode chegar a 205 mil ou 210 mil.

Segundo a empresa, podem existir de 5 mil a 7 mil navios cada momento que tenham seus transponders desligados, mas só uma pequena fração o faz para esconder ilegalidades.

— Podem ser navios que não estão em serviço, navios em reparos, navios que navegaram para fora da zona de cobertura. Há várias outras razões que levam a isso — afirma Hatzimanolis.

Procurados, a empresa HEX e o Grupo de Acompanhamento e Avaliação (GAA, formado por Marinha, ANP e Ibama) não se manifestaram até o fechamento desta edição.