O Globo, n. 31505, 09/11/2019. País, p. 12

Juristas reagem a texto de Mourão após decisão do STF


Juristas reagiram ontem à postagem do vice-presidente Hamilton Mourão em uma rede social criticando, de forma indireta, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) condicionando a prisão de réus em processos ao esgotamento de todos os recursos. Por seis votos a cinco, a Corte reverteu o entendimento que vigorava desde 2016 — e que também era aceito até 2009 —, permitindo que a detenção acontecesse após a condenação em segunda instância. No Twitter, Mourão questionou: “Onde está o Estado de Direito no Brasil?”.

“O Estado de Direito é um dos pilares da nossa civilização, assegurando que a lei seja aplicada igualmente a todos. Mas, hoje (ontem), dia 8 de novembro de 2019, cabe perguntar: onde está o Estado de Direito no Brasil? Ao sabor da política?”, publicou o vice-presidente.

Juristas ouvidos pelo GLOBO, no entanto, defenderam o caráter jurídico da decisão do Supremo. Para o ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior, a decisão foi técnica e é natural haver divergências na interpretação de normas jurídicas:

— Foi uma decisão técnica. Existe uma divergência teórica. Foi uma decisão calcada em uma análise jurídica. Parece que o vice-presidente da República não sabe que, no Direito, sempre existe controvérsia na interpretação de uma norma. Essas divergências são próprias do Direito. O que não é próprio é o vicepresidente da República ficar fazendo crítica ao STF de cunho não jurídico — afirmou Reale Júnior.

Política institucional

O ministro do STF Marco Aurélio Mello também não viu viés político na decisão do tribunal que integra. — Que política? A nossa política é institucional, a nossa política é uma política, ao contrário da governamental, voltada à prevalência da Constituição, da ordem jurídica. Aí, a meu ver, com todo o respeito, é uma visão míope, apaixonada. Apaixonada, míope — disse o ministro do STF. A ministra Cármen Lúcia, também do Supremo, votou em defesa da segunda instância. Ainda assim, defendeu com afinco, durante o julgamento, o respeito a opiniões contrárias como pilar essencial de uma democracia.

— Em tempo de tanta intolerância com tudo e com todos que não sejam espelhos, que conduz ao desrespeito de pessoas privadas e públicas, causa espécie, ainda que, em nome de defesa de ideias, teses e práticas, se adotem discursos e palavras contrárias ao que é da essência do Direito e da democracia: o respeito às posições contrárias, o comedimento ao se ouvir a exposição e aplicação de teses diversas daquela que se adota ou que sequer seja adotada — disse durante seu voto, e completou: — Quem gosta de unanimidade é ditadura. Democracia é plural, sempre. Diferente não é errado apenas por não ser mero reflexo. A ministra afirmou que, em uma democracia, devese fugir do pensamento único, abrindo caminho para que diversas opiniões possam ser manifestadas:

— O melhor exemplo de democracia não é a soberba de um pensar que parece desconhecer que o outro também pensa. É a generosidade de abrir-se ao pensar do outro mesmo quando não se convença da ideia expressa.