Estado de S. Paulo, n. 46921, 05/04/2022. Política, p. A10

Ministério público no TCU pede suspensão de compra de ônibus

Breno Pires 
André Shalders 


O subprocurador-geral Lucas Rocha Furtado, do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, pediu a suspensão do pregão eletrônico do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que prevê a compra de 3.850 ônibus rurais escolares com preços inflados. Como mostrou reportagem do Estadão, a licitação tem indicação de sobrepreço de até R$ 732 milhões.

O pregão eletrônico está marcado para hoje, e técnicos do TCU passariam a noite analisando o caso. Parte da área técnica avaliava permitir que a realização da concorrência, mas com resultado embargado para avaliação do TCU. O relator do caso é o ministro Walton Rodrigues.

"O fato descrito é grave e envolve a possibilidade do desvio de assombrosa importância em dinheiro. Mais de R$ 730 milhões em prejuízo ao erário, que podem se converter além disso em prejuízo à democracia, a depender da destinação que esses recursos venham a ter, como, por exemplo, a composição do chamado 'caixa 2 de campanha'", escreveu Lucas Rocha Furtado na representação que protocolou ontem no Tribunal.

No Rio, Bolsonaro tentou minimizar o caso, mas admitiu que havia risco de sobrepreço, como revelou o Estadão. "Estão me acusando de ter armado a corrupção com compra superfaturada de ônibus, mas nem a licitação foi feita ainda. E quem descobriu fomos nós. Temos gente trabalhando em cada ministério com lupa no contrato. Por isso, não tem corrupção", afirmou. Ao contrário da declaração do presidente, após alertas da área técnica sobre risco de sobrepreço, o FNDE manteve o pregão com indicação de preços inflados.

No documento em que pede a suspensão da compra dos ônibus escolares com preço inflado, o procurador lembra o recente caso de suspeita de corrupção envolvendo pastores lobistas no Ministério da Educação, que, segundo prefeitos, teriam pedido propina, conforme revelou o Estadão.

"Se já não bastasse o escândalo do favorecimento, por afinidades políticas e pessoais, de lideranças religiosas que levou à demissão do ex-ministro Milton Ribeiro, o setor de educação do governo federal é agora novamente atingido por suspeitas de descalabros administrativos, se não também morais", comentou o procurador.

O pedido na representação do MP junto ao TCU é para a Corte determinar "que o FNDE suspenda quaisquer tratativas e tomadas de decisões com relação ao supracitado pregão visando à aquisição de ônibus escolares destinados a atender crianças da área rural, até que o Tribunal decida sobre o mérito da questão".

O procurador também solicitou a abertura de procedimento para apuração sobre a possível "existência de sobrepreço da ordem de R$ 732 milhões no pregão eletrônico elaborado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para a aquisição de ônibus escolares destinados a atender crianças da área rural".

Alerta. O alerta para o risco de sobrepreço partiu de instâncias de controle e da própria área técnica do fundo. Documentos do FNDE indicam que o governo aceitou pagar até R$ 567,6 mil por um ônibus que, segundo técnicos, deveria custar, no máximo, R$ 361,8 mil.

Na avaliação da Diretoria de Administração do FNDE, o valor global do pregão deveria ficar em R$ 1,3 bilhão. Mas, por decisão da Diretoria de Ações Educacionais, chefiada por Garigham Amarante – nome ligado ao presidente do PL, Valdemar Costa Neto – o preço total foi estimado em R$ 2 bilhões. O presidente do fundo é Marcelo Ponte, que foi chefe de gabinete do atual do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, no Senado. Apesar de alertas da área técnica, Garigham e Ponte mandaram a licitação seguir fazendo pequenos ajustes que praticamente não alteraram o preço dos ônibus. 

Aval

Presidente e diretor do FNDE assinaram despacho dando seguimento ao certame, apesar de alertas

Para entender

Licitação

• O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação abriu, no início do ano, licitação para comprar 3.850 ônibus escolares. Como o Estadão revelou, a aquisição dos veículos tinha preço inflado.

Sobrepreço

• Segundo documentos do FNDE, a própria área técnica do fundo apontou, no negócio, um sobrepreço que poderia chegar a R$ 732 milhões.

Indicado

• Vinculado ao MEC, o FNDE concentra a maior fatia de recursos destinados a investimentos em educação. É comandado por Marcelo Ponte, que chegou a cargo por indicação do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira.