O Globo, n. 31482, 17/10/2019. Economia, p. 18

Mais 600 mil pessoas entram na extrema pobreza

 Cássia almeida
 Pedro capetti
 Efrém Ribeiro


A extrema pobreza aumentou no ano passado. Após dois anos do fim da recessão, os efeitos da crise continuam a ampliar aparcelados mais pobres na população. Estudo exclusivo do economista Marcelo Neri, diretor da FGV Social, mostra que 7,22% da população ganhavam cerca de R$ 90 por mês no ano passado. Aparcela era de 7% em 2017. São mais 600 mil pessoas nessa condição vulnerável, somando 15 milhões.

— O dado surpreende, já que amassa de rendimentos totais cresceu 4% no ano. Masa rendados 5% mais pobres caiu 3,7% —comenta Neri.

Já a pobreza, medida por quem ganha R$ 233 por mês, ficou estável de um ano para o outro, permanecendo em 12,17%. Como a população aumentou, entraram na pobreza mais 200 mil pessoas. Atualmente, temos 25,3 milhões de pobres no Brasil. O melhor momento desse indicador social foi em 2014, quando a parcela da população nessa condição era de 9,8%. Para voltarmos a esse patamar, vai demorar, segundo Neri:

— Se o Brasil crescer 2,5% ao ano, sem que a desigualdade aumente, só em 2030 voltaremos ao mesmo patamar de pobres de 2014.

Renda caiu 39,9%

Segundo o economista, a perda dos mais pobres foi muito intensa desde 2014. Embora o ganho médio salarial tenha voltado aos níveis daquele ano, o recorte por renda é muito desigual. Enquanto o 1% mais rico viu os ganhos subirem 9,4% de 2014 a 2018, a renda dos 5% mais pobres caiu 39,3%.

Na opinião de Neri, a medida do governo federal de dar uma décima terceira parcela aos que ganham Bolsa Família ajuda, mas é menos eficiente do que um reajuste do benefício:

— Quando se reajusta o valor, a faixa para se tornar elegível ao programa aumenta, incluindo mais famílias. É preciso chamar a atenção para a pobreza. Esse tema está fora do debate. Há uma certa insensibilidade.

O pedreiro Francisco das Chagas Mendes, de Teresina, no Piauí, saiu do emprego em 2017, onde ganhava cerca de R$ 1 mil. Como não apareceu outra vaga com carteira, a saída foi fazer bicos em obras. Fez um trabalho em junho, na casa do cunhado, mas o próximo serviço só apareceu este mês. O ganho foi de R$ 600, dividido com o auxiliar. Dinheiro insuficiente para sustentar a mulher, o filho e quatro netos que moram com ele:

— O dinheiro simplesmente sumiu, e os serviços foram ficando mais difíceis. Minha família é grande. Só Deus explica como garanto a sobrevivência de minha família.

Na avaliação de Daniel Duque, pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGV), é necessário que o governo crie meios de combater não apenas a desigualdade, mas a pobreza. Segundo ele, a concessão do 13º salário para beneficiários do Bolsa Família tem impacto apenas em um trimestre, o que não resolve a pobreza estrutural do país.

— Além da desigualdade, temos que observar a questão da pobreza. O Bolsa Família, se não reajustado, vai perdendo o valor, mesmo com a inflação estando mais baixa. O (13º do) Bolsa Família vai ser só em um trimestre. E essa é a única política de fato que esse governo está implementando (nessa área) — afirma Duque.

Aumento da concentração

Segundo Neri, o nível da desigualdade, harmonizando dados de pesquisas anteriores, é o mesmo de 2009. Toda a queda registrada desde então foi anulada pelo aumento da concentração.

— O ano de 2015 foi de subida forte da desigualdade, aumentando menos entre 2016 e 2017 e voltando a subir forte em 2018. A pobreza vem crescendo no mesmo ritmo desde 2014, o ponto mais baixo da série —diz Neri.

A extrema pobreza sobe também em consequência da perda de renda das famílias que recebem o Bolsa Família, que caiu 14,3% desde 2014. O ganho per capita passou de R$ 398 para R$ 341.

Entre os domicílios onde não há pessoas recebendo o auxílio, a queda foi muito menos intensa no mesmo período — 2014 a 2018 — de 1,4%. Os lares que contam com o Bolsa Família estão entre os 10% mais pobres e com muito menos acesso a água encanada e tratamento de esgoto do que os domicílios que não recebem o benefício.