O Globo, n.31.621, 04/03/2020. País. p.10

Acordo e impasse

 

Apesar de manter um discurso público negando ter feito concessões ao Congresso, o presidente Jair Bolsonaro encaminhou ontem ao Parlamento projetos de lei que devem permitir o controle de R$ 15 bilhões do Orçamento por deputados e senadores. Os projetos faziam parte do acordo entre o governo e a cúpula do Congresso para manter os vetos presidenciais ao projeto aprovado pelos parlamentares que faziam mudanças na Lei de Diretrizes Orçamentárias, aumentando o poder dos congressistas sobre o Orçamento deste ano.

Diante de divergências entre parlamentares e da queixa do Congresso de pouco tempo para avaliar se os projetos enviados pelo governo atendiam ao acordo apalavrado, oPresidente do SenadoDavi Alcolumbre, encerrou a sessão conjunta com a Câmara ontem. Há possibilidade de que os vetos presidenciais sejam votados hoje.

Os vetos de Bolsonaro derrubam as medidas aprovadas pelo Congresso. Entre as mudanças, os parlamentares passariam a indicara ordem de execução de R $46 bilhões, sendo que R$ 30 bilhões caberiam apenas ao relator, deputado Domingos Neto (PSD-CE). As negociações sobre o tema vão continuar hoje.

Se mantidos os vetos, conforme acordado, o governo passaria ater a prerrogativa de indicara ordem de execução de todas as emendas. Como compensação, os projetos de lei enviados ontem devolvem aos congressistas aprioridade sobre emendas num valor de cerca de R$ 15 bilhões. A intenção era pacificar o clima para a manutenção do veto do presidente e a divisão de recursos. Pelo acordo interno do Congresso, R$ 10 bilhões seriam de prioridade da Câmara, e os demais R$ 5 bilhões, do Senado.

Apesar do gesto com o envio dos projetos, Bolsonaro refutou ter feito um acordo com o Legislativo. “Não houve qualquer negociação em cima dos R$ 30 bilhões. A proposta orçamentária original do Governo foi totalmente mantida. Com a manutenção dos vetos está garantida a autonomia orçamentária do Poder Executivo. O projeto de lei encaminhado hoje preserva a programação original formulada pelo Governo”, publicou o presidente em suas redes sociais no início da noite.

Na contramão do discurso presidencial, trecho de um dos projetos encaminhados diz que a execução das despesas estabelecidas pelo relator e por comissões do Parlamento “deverá observar as indicações de beneficiários e a ordem de prioridades feitas pelos respectivos autores”. Isso só ocorrerá, segundo o texto do governo, quando a despesa tiver sido criada pelo parlamentar ou for oriunda de receita que não estava prevista na proposta original da equipe econômica. É isso que irá garantir, na avaliação de parlamentares, o controle de cerca de R$ 15 bilhões por parte do Congresso.

Não houve, ainda, manutenção integral da proposta original do governo, encaminhada no ano passado. Ela não previa emendas sob controle do relator do Orçamento. A destinação de R$ 15 bilhões sob poder do relator, prevista no projeto de lei enviado ontem, é, portanto, diferente do que propôs o governo anteriormente.

DIVERGÊNCIA INTERNA

A concessão feita pelo governo não pacificou o tema por completo devido a divergências dentro do Congresso. Embora tenha passado o dia trancado em seu gabinete tentando avançar no acordo com líderes do Senado, o presidente daCasa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), não conseguiu reunir número de votos suficientes para aprovar na Casa os projetos enviados pelo governo.

O principal entrave é o controle dos recursos. O acordo prevê que seria de Alcolumbre a prerrogativa de fazer a divisão interna dos recursos que caberiam ao Senado. Senadores, no entanto, exigiram que ele se comprometesse com uma distribuição igualitária. Apesar de líderes dos principais partidos terem sinalizado, inicialmente, com um acerto para que as verbas fossem discutidas depois de a proposta aprovada, uma ala do Senado não cedeu — o que implodiu a costura com as siglas que já estavam acomodadas. O grupo conhecido como Muda Senado, que reúne cerca de 20 parlamentares, foi o primeiro a abrir a divergência e anunciou que se oporia aos projetos.

Diante das pressões e sem conseguir organizar a Casa, Alcolumbre propôs ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a inversão da votação, com a análise primeiro do veto de Bolsonaro e depois das propostas recebidas. Com isso, ele ganharia tempo para consolidar a distribuição dos recursos e garantir apoio aos projetos enviados pelo governo.

Líderes de partidos de centro da Câmara, no entanto, ficaram de reunir suas bancadas para decidir se topam a proposta de Alcolumbre. Se a maioria dos deputados não topar, a tendência é a de que o imbróglio se prorrogue por mais uma semana. / (Amanda Almeida, Bruno Góes, Daniel Gullino, Isabella Macedo, Manoel Ventura, Thais Arbex)

 

Veto ao Orçamento gerou 300 mil menções no Twitter
Marlen Couto 


Em meio ao embate entre o Legislativo e o presidente Jair Bolsonaro, o debate sobre o Orçamento impositivo gerou quase 300 mil menções no Twitter e mais de 1 milhão de interações no Facebook entre a madrugada de ontem e o último dia 25 de fevereiro. É o que aponta levantamento feito pela Diretoria de Análise de Políticas Públicas (DAPP) da Fundação Getulio Vargas (FGV). Os dados indicam que há uma escalada na mobilização digital de grupos à direita desde o último sábado.

Mais de 70% do volume de publicações no Twitter sobre o tema partiram de perfis e influenciadores da base de apoio ao governo Bolsonaro em campanha pela manutenção do veto ao Orçamento impositivo. Segundo a DAPP/FGV, esse grupo se caracteriza pelas críticas à concessão de verbas para emendas de congressistas e ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), além da convocação para o ato anti-Congresso marcado para o próximo dia 15. A hashtag mais usada foi a #veto52simaberto, citada 86 mil vezes na rede social.

Com impacto menor, um grupo formado por parlamentares da oposição, que não apoia a regra do Orçamento impositivo discutida pelo Congresso, e veículos de imprensa geraram 5,7% das menções sobre o tema na plataforma. De acordo com a DAPP/FGV, o grupo focou principalmente em antigos comentários de Bolsonaro em defesa do Orçamento impositivo — em 2015, o então deputado federal afirmou em uma entrevista na TV que, com o novo modelo, o governo não poderia mais “chantagear” o Legislativo — e abordou outros temas ligados ao Orçamento, como a redução de investimento do Estado e cortes em programas sociais.

No Facebook, foram compartilhados mais de 1,2 mil links sobre o tema. Sites pró-governo tiveram maior repercussão. O levantamento da DAPP/FGV aponta ainda que o debate sobre o Orçamento impositivo se intensificou em 100 grupos no WhatsApp monitorados pelos pesquisadores. Os conteúdos mais compartilhados foram uma lista de parlamentares indecisos sobre o tema e um vídeo da deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) sobre o veto de Bolsonaro.

73,62%

das interações partiram de grupos à direita a favor da manutenção do veto ao Orçamento impositivo

1 milhão

Foi o total de interações sobre o tema no Facebook Mais de 1,2 mil links foram compartilhados na rede social