O Globo, n.31.621, 04/03/2020. Economia. p.28

Referência do jornalismo econômico e criador do valor

 

Celso Pinto foi uma das maiores referências do jornalismo de economia no país, liderando a criação do Valor Econômico. Ao longo de uma carreira iniciada nos anos 1970, Pinto foi repórter, correspondente, editor e colunista em veículos como Gazeta Mercantil e Folha de S.Paulo, destacando-se pela interpretação de um período especialmente turbulento da história econômica brasileira.

Quando uma equipe de economistas elaborava o Plano Real, no início dos anos 1990, Pinto foi convidado para se juntar ao grupo. Sua função, segundo Pérsio Arida contou no prefácio do livro “Os Desafios do Crescimento: dos militares a Lula”, de 2007, seria privilegiada: ele seria uma espécie de cronista, participando das reuniões e contando todas as decisões da equipe num livro. Oportunidade única para um jornalista. Mas a resposta de Celso foi um não.

“Ele julgou a proposta fascinante, mas argumentou que o envolvimento com o governo, qualquer governo, afetaria a neutralidade que um jornalista deve ter”, escreveu Arida.

Celso prezava pela independência para escrever. Foi ele mesmo um dos primeiros críticos do Plano Real, que estabeleceu paridade entre a nova moeda local e o dólar, quando o governo passou a controlar artificialmente a cotação da moeda para derrubar a inflação.

Após mais de duas décadas como jornalista econômico, Celso foi chamado, em 2000, para liderar a criação de um jornal especializado em economia, o Valor Econômico. Uma iniciativa dos grupos Globo e Folha, o projeto surgia em plena bolha da internet, quando a expectativa era de que os jornais impressos desaparecessem. Celso foi diretor de Redação, consolidando o jornal como principal fonte de informação de negócios, economia e finanças do país. Em 2016, o Grupo Globo assumiu o controle integral do Valor.

— Sentimos profundamente a morte do nosso companheiro. Celso criou o Valor com talento, energia e paixão pelo jornalismo. Perdemos não apenas o melhor articulista de economia. Nós, sua equipe do Valor, perdemos um grande amigo — lamentou Vera Brandimarte, diretora de Redação do Valor Econômico.

Vice-presidente do Grupo Globo, João Roberto Marinho, lamentou a morte de Celso:

“Nós, companheiros do Grupo Globo, lamentamos a perda do grande jornalista Celso Pinto, responsável pela criação do Valor Econômico. Será lembrado não só pela precisão de suas análises econômicas, mas principalmente pela ética no exercício da profissão e por sua capacidade de liderança.”

VOCAÇÃO

Celso nasceu na capital paulista, formou-se em ciências sociais pela Universidade de São Paulo e em jornalismo pela faculdade Cásper Líbero. Começou na profissão como repórter em 1974, na Folha de S.Paulo, aos 21 anos. À época, usava rabo de cavalo, era pianista discípulo de Thelonius Monk e tinha pôster de Fidel Castro no quarto. Sua missão no jornal foi acompanhar as cotações de mercadorias que vinham do interior e de outros estados.

— Foi possivelmente o primeiro especialista em commodities da imprensa brasileira — lembra Matías Molina, seu primeiro editor, ao recordar as ameaças que Celso recebeu por informações que não agradavam aos chamados “atravessadores”.

Por isso, o jornalista assinou algumas reportagens com um pseudônimo.

A família percebeu que Celso tinha uma queda pelo jornalismo quando ele tinha 12 anos. Ele guardou a primeira página da Folha de S.Paulo na data em que nasceu sua irmã caçula, Stela, hoje editora de Carreira do Valor.

Filho do meio de Luiz Celso Pinto, comerciante baiano estabelecido em São Paulo, e de Wanda Campos, professora, Celso foi alfabetizado pela avó Zuleika, em casa, aos 5 anos. Estudou no Colégio Dante Alighieri, antes de ir para a USP e para a Cásper Líbero.

Depois da Folha, transferiu-se para a Gazeta Mercantil, o mais influente jornal de economia do país à época, onde foi editor de Finanças e de Nacional. Foi transferido para Brasília, em 1981, onde participou da cobertura das negociações entre o governo e as missões do FMI, além de acompanhar os sucessivos planos econômicos lançados para debelar a inflação.

Ainda pela Gazeta, foi correspondente em Londres, ocupando uma sala no prédio do Financial Times. Em 1996, voltou à Folha, desta vez como colunista, tornando-se referência de leitura para empresários, banqueiros e os próprios colegas de profissão.

Para a colega Miriam Leitão, colunista do GLOBO, Celso “foi o melhor jornalista de economia da minha geração.”

—Era bom repórter, capaz de traduzir com exatidão os textos técnicos, analista lúcido, jornalista independente, executivo ousado, e influente entre os próprios economistas e jornalistas especializados. Conviver com ele na redação da Gazeta Mercantil nos turbulentos anos 1970 e 1980 foi sobretudo um privilégio.

‘PERDA PARA O DEBATE’

Para Aluizio Maranhão, editor de Opinião do GLOBO, sua morte é “uma perda para o debate econômico”:

— O Celso era um brilhante analista, colunista e editor, também no sentido de saber organizar a equipe. Seja na Gazeta, seja no Valor, onde repetiu esses predicados.

José Casado, colunista do GLOBO que foi seu colega na Gazeta , lembrou que o jornalista sabia enxergar além dos números:

— Atrás das estatísticas existem pessoas, elas comem, dormem e amam. Esse tipo visão realista das relações entre humanos levou Celso Pinto a um estilo peculiar no jornalismo.

Executivos, como os presidentes de instituições como Itaú Unibanco, Bradesco, Banco do Brasil e Santander, lamentaram a morte de Celso e destacaram a capacidade do jornalista de compreender os problemas econômicos e traduzi-los de forma clara e objetiva.

Na avaliação de Octavio de Lazari, presidente executivo do Bradesco, Celso era “referência de seriedade, talento e competência no acompanhamento dos fatos e análise dos acontecimentos econômicos.”

Para Sergio Rial, presidente do Santander, suas colunas e reportagens “eram exemplos de jornalismo equilibrado e baseado em fatos.”

Para o economista Edmar Bacha, Celso foi “uma das mentes mais brilhantes que conheci no jornalismo e fora dele. Imensa perda não só para os amigos, mas para todo o país”, escreveu.

Segundo o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Braga de Andrade, Celso foi um “incansável defensor da agenda de desenvolvimento econômico e entendia como poucos os desafios da indústria.”

O presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Paulo Jerônimo Sousa, disse que Celso “estará sempre vinculado à grande capacidade de análise e compreensão da realidade brasileira."

Na tarde de ontem, Celso Pinto, de 67 anos, morreu em São Paulo, vítima de uma infecção no pulmão. Ele estava afastado da redação do Valor desde 2003, depois de sofrer uma parada cardiorrespiratória durante uma partida de tênis. Nesses 17 anos, travou uma batalha pela vida. Deixa a jornalista Célia de Gouvêa Franco, sua mulher por 41 anos, os filhos Pedro e Luís, e o neto, Davi.

O velório será hoje, às 10h, no Cemitério do Morumbi, em São Paulo. O sepultamento será no mesmo local, às 14h.

“Foi o melhor jornalista de economia da minha geração”

_ Miriam Leitão, colunista do GLOBO

“Uma das mentes mais brilhantes que conheci no jornalismo e fora dele”

_ Edmar Bacha, economista e um dos criadores do Plano Real

“Será lembrado não só pela precisão de suas análises econômicas, mas principalmente pela ética no exercício da profissão e por sua capacidade de liderança”

_ João Roberto Marinho, vice-presidente do Grupo Globo

“Foi um incansável defensor da agenda de desenvolvimento econômico”

_ Robson Braga de Andrade, presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI)