O Globo, n.31.621, 04/03/2020. Economia. p.25

Corte Surpresa

Gabriel Martins 

 

EUA reduzem juros, e cresce pressão por ação de outros BCS

Em reunião extraordinária, o Fed, Banco Central dos EUA, reduziu os juros do país em 0,5 ponto percentual, aumentando a pressão para cortes de taxas em outros países. Analistas preveem corte da Selic no Brasil já este mês, po dendo chegara 3,75% até o fim doa no. O Fed citou riscos crescentes da epidemia de coronavírus. As Bolsas americanas e abrasileira subiram após o anúncio, mas fecharam em queda, diante da avaliação de que o impacto econômico pode ser mais forte. A Austrália promete pacote de estímulo.

Em uma reunião extraordinária, o Federal Reserve (Fed, o Banco Central dos Estados Unidos) reduziu a taxa básica de juros do país em 0,5 ponto percentual, para o intervalo entre 1% e 1,25%. O BC americano só deveria se reunir nos dias 17 e 18 deste mês. Em seu comunicado, o Fed citou os riscos crescentes da epidemia do coronavírus para a atividade econômica dos EUA. Desde a eclosão da crise financeira global, em 2008, não ocorria um corte de juros fora do calendário de reuniões. O movimento da autoridade monetária da maior economia do mundo cria pressão para que os BCs de outros países —Brasil inclusive —reduzam suas taxas para combater a desaceleração da economia global. O mercado, porém, acabou reagindo mal ao corte de juros. Houve o temor de que o cenário seja mais grave do que se sabe.

— Tomamos essa decisão para ajudar a economia americana a se manter forte frente aos novos riscos para o cenário econômico — afirmou o presidente do Fed, Jerome Powell, em uma entrevista coletiva depois do anúncio do corte de juros. — A disseminação do coronavírus trouxe novos riscos e desafios.

Austrália e Malásia também reduziram seus juros ontem —antes do Fed, por causa da diferença de fuso horário. Ambos fizeram cortes de 0,25 ponto percentual. A taxa australiana ficou em 0,5%, e a da Malásia, em 2,5%.

Nos últimos dias, vem crescendo a perspectiva de ações globais para estimular a economia. A Itália anunciou no domingo um pacote de € 3,6 bilhões para combater os efeitos da epidemia, que atingiu o país com força. E o governo australiano disse estar preparando um pacote de estímulo fiscal. Analistas temem que, com o coronavírus, a Austrália entre em sua primeira recessão em quase 30 anos.

O Banco Central Europeu, no entanto, tem adotado uma postura de cautela, mas assegurou que está monitorando a situação. Já o presidente do BC inglês, Mark Carney, sugeriu que os países adotem estratégias específicas para suas economias, em lugar de uma ação coordenada, como ocorreu na crise de 2008.

EXPECTATIVA

A decisão do Fed foi anunciada pouco depois da divulgação de um comunicado dos ministros de Finanças do G-7 (grupo que reúne os países mais ricos do mundo), no qual afirmavam estar prontos a agir para defender suas economias do impacto do coronavírus. Anota frustrou os mercados, que esperavam o anúncio de medidas concretas.

Powell deu a entender que poderá haver mais cortes.

Logo após o corte de juros nos EUA, as Bolsas americanas e brasileira passaram a subir. Mas a reação perdeu fôlego ao longo do dia, com analistas de mercado avaliando que os efeitos do coronavírus na economia americana podem ser mais profundos do que parece.

—O corte do Fed tende a assustar o mercado porque os investidores ficam receosos quanto à dimensão dos impactos do coronavírus na economia. Se os EUA estão agindo, certamente estão preocupados — disse Roberto Padovani, economista-chefe do banco BV.

No Brasil, o Ibovespa fechou em queda de 1,02%, aos 105.537 pontos. Já o dólar comercial teve alta de 0,56%, a R$ 4,51, novo recorde para fechamento. Em Nova York, o índice Dow Jones caiu 2,94%, enquanto o S&P 500, mais amplo, perdeu 2.81%. A Bolsa eletrônica Nasdaq recuou 2,99%. O rendimento das notas de dez anos do Tesouro americano recuaram a 0,99% —a primeira vez em que ficou abaixo de 1%. O rendimento é inversamente proporcional à procura pelo papel, visto como muito seguro.

MUNIÇÃO INADEQUADA

Entre analistas de mercado, também surgiram dúvidas sobre a eficácia de um corte de juros para estimulara economia em meio a uma epidemia de saúde, que está levando à suspensão de atividades em fábricas em todo o mundo devido à falta de insumos e peças, por conta da quarentena na China.

Ao ser perguntado por jornalistas, o presidente do Fed afirmou que é necessária uma reação coordenada de governos, profissionais de saúde, BCs e outros para lidar com os prejuízos humanos e econômicos.

— Reconhecemos que um corte de juros não vai reduzira taxa de contágio, nem consertar uma cadeia de fornecimento interrompida — disse Powell. — Mas acreditamos que nossa ação pode trazer um impulso significativo para a economia.

Porém, há quem questione a eficácia dos instrumentos que os BCs globais têm à mão para enfrentara desaceleração causada pelo coronavírus.

— O Fed tem muito pouca munição, e a munição que tem não é adequada para atarefa de administrar um choque de oferta potencialmente grande —disse à Bloomberg Jonathan Wright, professor da Universidade Johns Hopkins e ex-economista do Fed.

Padovani, do B V, no entanto, aval iaque alongo prazo o corte nos juros dos EUA pode favorecer o comércio global e, consequentemente, países emergentes como o Brasil:

— O país acompanha o ciclo global, que é ditado por China, EUA e Europa. Quando eles atuam para fortalecer a economia, países da América Latina podem ser beneficiados no médio prazo.

Em uma rede social, o presidente Donald Trump afirmou que o Fed precisa cortar ainda mais os juros. “Não estamos jogando em um campo equilibrado. Chegou a hora de o Federal Reserve LIDERAR. Mais afrouxamento e cortes!”

“A disseminação do coronavírus trouxe novos riscos e desafios”

Jerome Powell, predsidente do Federal Reserve