O Globo, n. 31530, 04/12/2019. País, p. 6

Caso Marielle: STJ deixa para 2020 julgamento sobre federalização

Eduardo Bresciani
Rayanderson Guerra
Bruno Góes
Naira Trindade
Gustavo Maia
Marcelo Corrêa


O Superior Tribunal de Justiça (STJ) deixou para 2020 a análise do processo que busca federalizar as investigações dos assassinatos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. O pedido foi feito em setembro pela então procuradora-geral, Raquel Dodge, e seu sucessor, Augusto Aras, endossou essa posição. A relatora do processo, Laurita Vaz, decidiu não incluir o tema para julgamento neste ano. Há uma divisão entre os ministros sobre o tema, e Laurita quer o consenso. Em entrevista à colunista Bela Megale, Aras defendeu ontem a federalização do caso.

— Com os fatos novos, recomenda-se a federalização porque o ambiente do Rio de Janeiro está cada dia mais confuso — disse Aras.

A PGR tem ressaltado a necessidade da federalização das investigações para encontrar os mandantes do crime. Nas alegações finais entregues ao STJ, a subprocuradora-geral da República Lindôra Maria Araújo diz que a “situação atual de impunidade em relação aos mandantes dos crimes tem se tornado perene” pela “inércia dos órgãos estaduais na conclusão das investigações”. Lindôra argumenta ainda que os órgãos estaduais são “incapazes de cuidar do crime” e que, portanto, manter as investigações no âmbito estadual pode configurar um “desrespeito às obrigações internas de garantia de direitos humanos e gerar o risco de mais uma derrota do Brasil nas cortes internacionais”.

“Passados quase nove meses do oferecimento de denúncia contra duas pessoas apontadas pelo MP-RJ como executores do duplo homicídio, até o momento não se tem notícia da identificação dos mandantes e de sua responsabilização criminal. O que há de concreto é a suspeita veemente, e até agora não superada por provas contrárias pelas autoridades estaduais, de ligação de policiais da Delegacia de Homicídios — DH (responsável pela investigação) com o Escritório o Crime”, afirma a PGR.

Ao pedir a federalização, Dodge denunciou o conselheiro afastado do Tribunal de Contas do Estado (TCERJ) Domingos Brazão e mais quatro pessoas por obstrução da Justiça. Ela pediu que um inquérito seja levado adiante pelo STJ para apurar se Brazão foi o mandante do crime.

Desvio do foco

Segundo a PGR, Brazão usou a estrutura de seu gabinete no Tribunal de Contas e plantou uma testemunha com o objetivo de desviar o foco das investigações da Polícia Civil sobre os mandantes do assassinato.

A investigação aponta suspeitas de que o conselheiro tenha ligação com o grupo miliciano conhecido como Escritório do Crime, que pode estar por trás do duplo homicídio. O miliciano Rodrigo Ferreira procurou informalmente a PF e foi ouvido pelo delegado Hélio Khristian, que teria ligações com Brazão, para apontar erroneamente o miliciano Orlando Curicica como o mandante do crime, tese que a PF descobriu que era falsa. Isso, porém, desviou o foco da Polícia Civil do Rio no caso.

A família de Marielle, porém, considera a federalização um “retrocesso”. As investigações feitas até agora resultaram na prisão de Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz como suspeitos de terem participado da execução.

Lessa mora no mesmo condomínio do presidente Jair Bolsonaro e recebeu Queiroz em sua residência no dia do crime. Um porteiro afirmou em dois depoimentos à polícia que Queiroz teria informado a residência do presidente, então deputado, como seu destino. Ele, porém, se retratou após áudios mostrarem uma ligação para a casa de Lessa pedindo a autorização do acesso. Bolsonaro estava em Brasília naquele dia.

Senado barra propaganda política fora de ano eleitoral

O Senado manteve o veto do presidente Jair Bolsonaro e barrou a recriação da propaganda partidária em rádio e TV fora do período eleitoral. A Câmara havia votado para derrubar o veto, mas, com a decisão dos senadores, em sessão ontem no Congresso, a decisão do Palácio do Planalto foi referendada. Sem acordo entre as duas Casas, o centrão acabou derrubando a sessão já à noite, reflexo da insatisfação da Câmara com o Senado.

Durante a sessão, os parlamentares retomaram a análise dos vetos na lei que trata de eleições e regras partidárias, interrompida semana passada. Um outro destaque do partido Rede contra o pagamento de multas com verba pública e a regra que altera o momento em que as candidaturas são avaliadas pela Justiça Eleitoral tiveram a votação adiada para a próxima sessão. O dispositivo abre a possibilidade de eleição de políticos fichas-suja. Na avaliação de especialistas em transparência, a mudança garantiria brecha para a lavagem de dinheiro.

A sessão de ontem começou com quase cinco horas de atraso por causa do desentendimento entre Executivo e Legislativo. Pela manhã, parlamentares se reuniram na casa do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEMRJ), e trataram da falta de pagamento de emendas parlamentares. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e o líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO), também participaram da conversa. O secretário executivo da Secretaria de Governo, Jônathas Nery de Castro, representou o ministro Luiz Eduardo Ramos no encontro.

Pressionado pelo curto tempo para aprovar o Orçamento de 2020 e pela possibilidade de a pauta do Congresso ficar travada, o ministro do Desenvolvimento Regional, Gustavo Canuto, disse que o governo poderia liberar ainda este mês até R$ 1,1 bilhão em emendas.

O ambiente da reunião foi tenso. Os líderes temem que o governo não consiga cumprir a promessa do então ministro responsável pela articulação política, Onyx Lorenzoni (Casa Civil), que prometeu pagar R$ 20 milhões de emendas parlamentares àqueles que ajudaram a aprovar a reforma da Previdência.

De acordo com fontes ouvidas pelo GLOBO, o governo descobriu que a “promessa de Onyx não é cumprível”. Na avaliação de líderes, o governo caminha para liberar R$ 10 milhões.

Até a semana passada, mais da metade dos deputados não tinha recebido nenhum centavo de emendas. Apenas 209 tiveram recursos empenhados, e 304 ainda esperavam pelo pagamento. Para líderes, a ausência de pagamentos preocupa o presidente Jair Bolsonaro, que tenta coma equipe técnica destravar recursos. Os líderes ameaçam não votar o Orçamento caso o governo deixe de honrar os pagamentos.

Fundo eleitoral

O relator do projeto de lei Orçamentária, deputado Domingos Neto (PSD-CE), propôs aumentar o fundo eleitoral em R$ 1,8 bilhão, somando R$ 3,8 bilhões. O valor é mais que o dobro do repassado às campanhas em 2018. A previsão está no relatório que modifica a previsão encaminhada pelo governo e será analisado pelo Congresso. No mesmo parecer, o parlamentar amplia em mais de R$ 20 bilhões o espaço para custeio e investimentos.

Em agosto, o governo previu R$ 2,5 bilhões para o fundo. Na semana passada, alterou para R$ 2 bilhões, porém R$ 1,3 bilhão desse valor viria de emendas parlamentares.