O Globo, n. 31481, 16/10/2019. País, p. 10

CCJ da Câmara suspende debate que pretende alterar prisões

Dimitrius Dantas
Gabriel Garcia


A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara não conseguiu avançar ontem a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que formaliza a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. O presidente da comissão, Felipe Francischini (PSL-PR), havia convocado a sessão para se antecipar ao julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o caso a partir de amanhã, mas suspendeu os debates por causa do início dos trabalhos no plenário da Casa.

Juristas avaliam que, na hipótese de a PEC ser aprovada na CCJ, depois no plenário da Câmara e ainda pelo Senado, deverá enfrentar contestações na Justiça por alterar uma cláusula pétrea da Constituição, o que não é permitido. O projeto é de autoria do deputado Alex Manente (Cidadania-SP).

Francischini nega que tenha convocado a reunião da CCJ para tratar do assunto em reação ao julgamento do STF:

— Muitos deputados estavam cobrando essa pauta. Também tenho o entendimento que chegou a hora de a gente tratar essa questão.

Especialistas em Direito explicam por que a PEC deve enfrentar questionamentos jurídicos. Cláusulas pétreas são trechos da Constituição que não podem ser alterados de forma alguma. Previstas no artigo 60 do texto, fazem referência, por exemplo, ao voto direto, à separação entre os Poderes, à forma federativa do Estado e, por fim, aos direitos individuais.

Esses direitos estão elencados no artigo 5º da Constituição. Entre eles, está a previsão de que ninguém poderá ser considerado culpado até que todos os recursos judiciais sejam esgotados, o chamado “trânsito em julgado”. É esse artigo que o projeto do deputado Alex Manente pretende alterar.

Duplo grau

A impossibilidade de alteração de trechos do artigo 5º da Constituição é quase unanimidade entre juristas.

Para o professor de Direito Constitucional Roberto Dias, da FGV, a proposta teria ainda menos chance de prosperar se o STF decidir contra a prisão após condenação em segunda instância:

— Se o STF entende que essa garantia fundamental impossibilita a prisão em segunda instância, automaticamente esse direito vai ser entendido como protegido pela cláusula pétrea.

A discussão no Supremo gira em torno da interpretação do texto que já existe na Constituição. Para parte da Corte, embora exista a previsão do trânsito em julgado, há a possibilidade de cumprimento da pena após a condenação em segunda instância.

— O que a Constituição assegura é o duplo grau de jurisdição, ou seja, direito a ter um julgamento colegiado, na segunda instância — afirmou o procurador do MP de São Paulo Marco Antonio Ferreira Lima.

Outra ala da Corte, no entanto, acredita que o texto garante a todos os acusados o direito de responder em liberdade enquanto ainda houver recursos.

— É uma cláusula pétrea e usou um termo muito preciso, que é o trânsito em julgado da sentença condenatória, que é uma decisão à qual não cabe mais recurso — disse a professora da FGV Heloisa Estellita.