O Globo, n. 31506, 10/11/2019. País, p. 6

Ataque e revide
Sérgio Roxo
Guilherme Caetano



Um dia depois de ter deixado a cadeia, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva subiu o tom contra o presidente Jair Bolsonaro (PSL) e a política econômica de seu governo. Em discurso no Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo do Campo, mesmo local em que ele falou à militância minutos antes de ser preso, em 7 de abril de 2018, o petista acusou Bolsonaro de governar para “milicianos” e voltou a atacar a Lava-Jato e o ministro Sergio Moro (Justiça), a quem chamou de “canalha” e “mentiroso”. Ao mesmo tempo em que fez ataques contundentes e pessoais contra o atual presidente,

Lula descartou iniciar uma campanha no sentido de negar legitimidade a Bolsonaro. — Tem gente que fala que precisa derrubar o Bolsonaro. Tem gente que fala em impeachment. Veja, o cidadão foi eleito democraticamente, aceitamos o resultado da eleição. Esse cara tem mandato de quatro anos. Mas ele foi eleito para governar para o povo brasileiro, e não para governar para os milicianos do Rio — disparou, numa referência a notícias que apontaram proximidade da família Bolsonaro com policiais e ex-policiais acusados de envolvimento com milícias. Pela manhã, ao deixar o Palácio do Alvorada, Bolsonaro respondeu ao petista, que já o havia criticado na sexta-feira, em Curitiba:

— A grande maioria do povo brasileiro é honesto, trabalhador, e nós não vamos dar espaço nem contemporizar com um presidiário. Ele ‘tá’ solto, mas continua com todos os crimes dele nas costas — declarou o presidente. Moro usou sua conta numa rede social para rebater Lula. Sem citar o nome do ex-presidente, disse que “não respondo a criminosos, presos ou soltos. Algumas pessoas só merecem ser ignoradas”.

O ato em São Bernardo, acompanhado por centenas de apoiadores de Lula, foi convocado para selar o retorno do petista à arena política. “Eu estou de volta”, anunciou, para logo depois pedir a união da esquerda. Lula fez uma menção explícita às eleições presidenciais de 2022 e disse que “a esquerda vai derrotar a ultradireita”. No ato de ontem, além do PT, somente PSOL e PCdoB estavam representados. Condenado por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá (SP), Lula foi solto após uma mudança no entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) segundo a qual a prisão somente deve ocorrer após o fim de todos os recursos. O petista, porém, segue enquadrado na Lei da Ficha Limpa e está impedido de disputar eleições. Além do caso do tríplex, Lula é réu em outras sete ações.

No discurso de ontem, Lula mencionou as principais polêmicas que envolvem Bolsonaro. Cobrou, por exemplo, “perícia séria” nas investigações sobre a morte da ex-vereadora Marielle Franco e citou Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro investigado pelo Ministério Público sob suspeita de comandar um esquema de “rachadinha” no antigo gabinete de Flávio na Alerj.

Há duas semanas, o nome de Bolsonaro foi mencionado na investigação sobre a morte de Marielle, quando foi revelado que um porteiro do condomínio do presidente contou à polícia que um dos suspeitos de matar a vereadora disse que iria à casa de Bolsonaro — quando na verdade se dirigiu à residência do outro suspeito do crime, no mesmo condomínio. Um áudio da conversa entre a portaria e as casas, periciado pelo MP, mostrou diálogo entre porteiro e Ronnie Lessa, um dos suspeitos. A polícia, na última semana, requereu todo o sistema de gravação, que será objeto de nova perícia.

Em São Bernardo, Lula atacou a agenda de reformas do governo e apolítica para o salário mínimo e classificou o ministro da Economia, Paulo Guedes, de “demolidor de sonhos, empregos e empresas”. O ministro informou que não responderia às críticas.

Viagens

Nas próximas semanas, Lula vai definir sua linha de atuação na oposição ao governo Bolsonaro. O primeiro compromisso político deve ser uma reunião com a direção do PCdoB.

Ele também estuda ir a Pernambuco para um evento em sua homenagem no dia 17. Na próxima quarta-feira, o PT vai reunir sua executiva em Salvador e o ex-presidente pode participar. Lula ainda pediu a aliados que deem início ao planejamento para uma viagem internacional. Não há definição dos destinos. A expectativa é que Lula volte a despachar em seu instituto, em São Paulo, nos próximos dias. Segundo pessoas próximas, uma das preocupações de Lula é encontrar uma nova casa para morar com a namorada, Rosângela da Silva. O ex-presidente tem afirmado que sua intenção é deixar São Bernardo e passar a viver em São Paulo.

No evento de ontem, Lula fez também críticas à TV Globo, a quem acusou de perseguição política. Em nota, a emissora afirmou que repudia os ataques: “A Globo repudia os ataques do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A prova de isenção da emissora são a transmissão, na íntegra, pela GloboNews, dos discursos que o ex-presidente fez ontem e hoje, e as reportagens a respeito no Jornal Nacional. Também prova a sua isenção o fato de que é alvo de ataques de ambos os extremos do espectro político, hoje tão radicalizado. A Globo faz jornalismo sério de qualidade e continuará a fazer. Sem se intimidar e sem jamais perder a serenidade”. Lula também fez críticas ao SBT e à TV Record. Procuradas, a Record e o SBT informaram que não vão se pronunciar.