O Globo, n. 31506, 10/11/2019. Opinião, p. 2

Lula ataca
Merval Pereira


O mais relevante, do ponto de vista prospectivo, da fala de ontem do ex-presidente Lula no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo foi a conclamação para que o povo siga o exemplo do Chile :“A gente tem que atacar, não se defender ”.

Juntamente coma exaltação dos governos esquerdistas da América Latina, que voltam a se reorganizar na Argentina, na Bolívia e na Venezuela, Lulas e referiu ao Chile como um país “que o Guedes ” (Paulo Guedes, ministro da Economia) quer copiar.

A voltada união dos governos de esquerda na região e o apelo à revolta popular alimenta mareação da extrema direita, já prenunciada pelo comentário de um dos Bolsonaro sobre a necessidade de volta de um novo AI-5 se a esquerda radicalizasse. O problema dessa confrontação permanente, que já vem desde a eleição de 2018, é que o país fica refém de posições antagônicas, petista ou antipetista, como se não houvesse vida política fora dos extremismos. Ou como se a Guerra Fria tivesse voltado em uma máquina do tempo.

O centro, que não tem um candidato visível com competitividade, como não teve na eleição presidencial, vai ser esmagado novamente se não acontecera união dessas forças centristas que, embora majoritárias, não conseguem se exprimir unitariamente em torno de uma ideia-força que faça surgir uma liderança.

Para Bolsonaro, é sopa no mel ter Lula como adversário, especialmente parar e aglutinar esses eleitores centristas que, sem opções, podem voltar a tê-lo como uma saída contra o petismo que ressurge coma liberdade de Lula.

Também Lula procura esse confronto, como no discurso de ontem no Sindicato dos Metalúrgicos. Subiu o tom nas críticas à Lava-Jato, ao atual ministro Sergio Moro e ao coordenador dos procuradores de Curitiba, Deltan Dallagnol. Mas um toque de “Lulinha paz e amor” apareceu aqui e ali na sua fala, o que pode indicar que tenta se equilibrar entre o ressentimento e a necessidade de moderação. O objetivo é tentar cooptar parte do eleitorado que votou em Bolsonaro contra o PT e hoje está arrependida da escolha, diante de atitudes e medidas governistas que produzem políticas públicas retrógradas, que afastam o país da modernidade, por motivos ideológicos.

Como, por exemplo, o desprezo pela cultura nacional, o menosprezo pela preservação do meio ambiente e o descaso nos campos da ciência e da tecnologia. O que ainda prende a Bolsonaro boa parte de uma classe média moderada é a atuação dos ministros Paulo Guedes, da Economia, e Sergio Moro, da Justiça e Cidadania, justamente os dois pilares que Lula tratou de atacar em seus discursos ao sair da cadeia.

Não por acaso, portanto, posição que o impede de criar condições para um avanço sobre o centro moderado. A tragédia econômica, com consequências sociais terríveis, e que se abateu sobre o país, está tendo sua culpa endereçada por Lula ao governo atual, o que é simplesmente impossível, pois quem está no poder há menos de um ano não poderia tirar o país da depressão em tão pouco tempo.

O ponto mais crítico do discurso de ontem no Sindicato dos Metalúrgicos em São Bernardo foi a colocação no centro do debate político da grave situação das milícias no Rio de Janeiro, território político dos Bolsonaros. Lula já deu sinal verde para a candidatura de Marcelo Freixo à prefeitura do Rio, aproximando o combate às milícias ao surgimento do nome de Bolsonaro na investigação sobre o assassinato de Marielle. O calcanhar de aquiles dos Bolsonaros, o envolvimento direto e indireto com milicianos, que já foram condecorados por eles e até empregados em seus gabinetes parlamentares, será explorado por Lula e pelo PSOL nas eleições municipais do Rio, centro nervoso da política nacional. O desaparecimento do ex-funcionário Queiroz é um tormento para Bolsonaro e seus filhos e serviu de mote ontem ao discurso de Lula. O presidente tentou ficar à parte da disputa com Lula num primeiro momento, talvez imaginando que pudesse ignorá-lo.

Não pode, e partiu para o ataque direto, chamando-o de “presidiário” e lembrando que ele continua “com todos os crimes nas costas ”. Também Ser gio Moro anunciou pelo Twitter que não responde “a criminosos ”. Mas as dificuldades que ainda persistirão darão a Lula o pretexto para criticar Bolsonaro, e os dois populistas lutarão retoricamente pela narrativa desses tempos interessantes, como uma praga confuciana.