O Globo, n. 31507, 11/11/2019. País, p. 5

Na PGR, Aras tem atuação afinada com Bolsonaro
Vinicius Sassine


Em um mês e meio como procurador-geral da República (PGR), Augusto Aras tem tido uma atuação sem atritos com o presidente da República, Jair Bolsonaro. Escolhido para o cargo fora da lista tríplice votada pela categoria, Aras já arquivou um pedido de indenização a comunidades indígenas. No caso Marielle Franco, atendeu a pedido do governo de abrir inquérito sobre o porteiro do condomínio de Bolsonaro, e descartou investigação sobre a suposta citação ao nome do presidente por um dos acusados do crime. Aras também abriu espaço a procuradores considerados bolsonaristas em seu gabinete.

Dentro do Ministério Público Federal (MPF), os primeiros atos de Aras foram vistos como esperados, dado o contexto de sua indicação ao cargo. Quando escolheu Aras para chefiar a PGR, Bolsonaro explicou que o principal critério foi a busca por um procurador-geral que não fosse “xiita” em áreas como a ambiental.

Neste tema, Aras já mudou uma posição adotada por sua antecessora, Raquel Dodge. O PGR pediu a extinção de uma ação contra a União e a Itaipu Binacional, proposta por Dodge, em sua primeira posição envolvendo direitos de povos indígenas. Dodge pediu, pouco antes de deixar o cargo, que o povo Avá-Guarani fosse indenizado pelos danos causados a seus territórios pela construção da usina hidrelétrica, entre 1978 e 1982. Aras afirmou na petição que os estudos técnicos prosseguirão. Bolsonaro tem se mantido em choque com comunidades tradicionais e defende, por exemplo, a interrupção de novas demarcações de terras indígenas.

Em um parecer favorável ao presidente da República, Aras não viu problema na iniciativa de Bolsonaro de bloquear usuários do Twitter e assim impedi-los de seguirem o seu perfil. A conta na rede social é uma das principais formas usadas pelo presidente para se comunicar e anunciar atos do governo.

O parecer foi dado em uma ação no STF movida pela deputada federal Natália Bonavides (PT-RN), que reclamou por ter sido bloqueada pelo presidente. Aras escreveu que, apesar do uso do Twitter para divulgação de atos do governo, as publicações na rede social “não têm caráter oficial e não constituem direitos ou obrigações da administração pública”.

No caso Marielle, procuradores da República da área criminal ouvidos pelo GLOBO —, tanto os que atuam na primeira instância quanto os que já despacharam na PGR, em processos nos tribunais superiores —, afirmam que Aras foi precipitado ao arquivar as informações referentes ao porteiro do condomínio Vivendas da Barra, onde Bolsonaro e seu segundo filho, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), têm casas. Segundo anotação feita pelo porteiro e depoimentos à Polícia Civil, o ex-policial Élcio Queiroz pediu para entrar no condomínio a pretexto de ir à casa de Bolsonaro horas antes da morte de Marielle e do motorista Anderson Gomes, em 14 de março de 2018. O Ministério Público do Rio disse que registros de chamadas da portaria contradizem a versão do porteiro e não apontam ligação à casa de Bolsonaro, mas sim uma chamada para a residência do ex-policial Ronnie Lessa, principal suspeito pelo assassinato de Marielle junto com Élcio.

Aras recebeu as informações sobre o caso do Supremo Tribunal Federal (STF) e decidiu pelo arquivamento. Procuradores acreditam que ele deveria ter providenciado diligências a respeito. O procurador-geral deu ainda sequência a um pedido do ministro da Justiça, Sergio Moro, para que o porteiro seja investigado. O caso foi remetido ao MPF no Rio, que pediu à Polícia Federal (PF) a instauração de um inquérito para apurar supostos crimes de obstrução de Justiça, falso testemunho e denunciação caluniosa contra o presidente.

A gestão de Aras opinou também pelo arquivamento de um pedido de impeachment do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, levado ao STF por parlamentares da Rede. O parecer foi assinado pelo vice-procuradorgeral, José Bonifácio de Andrada. Posteriormente, o ministro Edson Fachin arquivou o pedido da Rede.

Processos decisivos

Procuradores que despacham na PGR acreditam que dois processos, ambos envolvendo filhos do presidente, serão decisivos para consolidar a posição de Aras em relação a Bolsonaro. O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) foi acionado no STF pela declaração sobre a possibilidade de um “novo AI-5” em caso de radicalização da esquerda. O relator é o ministro Gilmar Mendes, e Aras terá de dar seu parecer.

Aras terá de se posicionar também sobre a decisão do presidente do STF Dias Toffoli, favorável ao senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), de suspender investigações baseadas em relatórios do Coaf, hoje chamado de Unidade de Inteligência Financeira. Flávio é investigado pela suposta prática de “rachadinha” quando era deputado estadual no Rio.