O Globo, n.31.622, 05/03/2020. Mundo. p.33

Duelo Democrata
Paola de Orte 

 

A Superterça, na qual 14 dos 50 estados americanos realizaram eleições primárias, marcou a polarização da disputa pela candidatura do Partido Democrata para enfrentar o presidente Donald Trump, em novembro, entre o ex-vice-presidente Joe Biden, que teve um desempenho muito além do esperado, e o senador social-democrata Bernie Sanders. Biden fechou o dia com vitórias em dez dos 14 estados e projeções de assumira dianteira no número de delegados após a contagem final. Até o momento, Biden tem 566 delegados, contra 501 de Sanders.

Vindo de três desempenhos ruins em Iowa, New Hampsh ire e Nevada e uma vitória acachapante na Carolina do Sul—que lhe deu gás para a Superterça — o ex-vice de Barack Obama levou de roldão Carolina do Norte, Virgínia, Massachusetts, Minnesota, Tennessee, Alabama, Oklahoma, Arkansas, Texas e Maine. Sanders arrebatou Vermont, Colorado e Utah, e caminha para a vitória na Califórnia — embora por uma diferença menor do que se previa.

No estado atual da corrida, Sanders enfrentará dificuldades para expandir sua base, e o mais provável é que Biden ganhe o maior número de delegados até a Convenção Nacional Democrata, em julho.

— Pode ser que esta corrida ainda seja competitiva. Mas, agora, os democratas do establishment parecem estar convergindo em torno de Biden e fazendo com que as coisas fiquem difíceis para Sanders seguir em frente, embora deva continuar até a convenção — disse ao GLOBO o professor de Ciência Política David Schultz, da Hamline University.

WARREN AVALIA O QUE FAZER

Essa análise está se consolidando entre os especialistas. Após a vitória maior do que a esperada na Carolina do Sule as desistências do ex-prefeito Pete Buttigieg e da senadora Amy Klobuchar para apoiá-lo, o ex-vice conseguiu resultados acimados esperados na Super terça, exibindo impulso da sua campanha, que tem o apoio das principais lideranças do partido, ao contrário de Sanders, que pra brigas diariamente coma cúpula democrata. O professor Schultzaf irma que as chances de Biden mudaram “dramaticamente”:

— Não parece que Sanders vá expandir sua base. Então suspeito que Biden seja o provável nomeado. Mas ainda pode acontecer muita coisa, pois 62% dos delegados ainda devem ser definidos de agora até o fim das primárias.

Ontem, após ter ganhado apenas Samoa Americana na Superterça, o ex-prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, desistiu da nomeação e declarou apoio a Joe Biden. Uma pesquisa da Morning Consult aponta que 48% dos apoiadores de Bloomberg dizem que Biden era sua segunda opção, comparados com 25% para Sanders e 15% para Elizabeth Warren. Por sua vez, a campanha da senadora — que também teve um fraco desempenho na Superterça — indicou que ela está “avaliando o caminho a seguir”.

Schultz afirma que o nível de competição da corrida deve ser definido por duas etapas das primárias ainda neste mês, nos estados de Michigan e de Washington. Segundo o site FiveThirtyEight, Sanders é o favorito para ganhar nos dois estados. Portanto, ainda deve haver noites de vitória para Biden, mas também para o senador pela frente.

SANDERS PIOR EM VERMONT

Michigan conta com 125 do total de 3.979 delegados que participarão da convenção democrata, enquanto Washington tem 89. Ambos decidem seus candidatos em 10 de março, assim como Idaho, Mississippi, Missouri e Dakota do Norte. Em 2016, quando disputava a candidatura democrata com Hillary Clinton, Sanders ganhou em Michigan, Washington,e Dakot ado Norte, embora seu desempenho em estados como Massachusetts tenha sido pior neste ano do que há quatro, já que dividiu votos com Elizabeth Warren, que é do estado. No seu estado, Vermont, o senador teve 80 mil votos anteontem, contra quase 116 mil em 2016.

O editor do site Sabato’s Crystal Ball, Kyle Kondik, afirma que será importante também acompanhar os resultados em Ohio e Illinois.

—Bidendeveg anhara Flórida [219 delegados] e a Geórgia [105 delegados] com grande vantagem. Se Sanders quiser ficar perto, precisa ganhar os estados do Meio-Oeste onde acorrida está disputada.

Kondik afirma que o Super terça não garante a vitória para Biden, mas diz que o ex-vice-presidente “teve uma grande noite”.

— Parecia que Sanders ia terminar a noite à frente. Isso ainda pode acontecer, por causa da Califórnia [cuja contagem de votos não terminou], mas as vitórias de Biden foram surpreendentemente grandes e impressionantes.

A dúvida agora é se os candidatos irão para a convenção democrata em julho, na cidade de Milwaukee, no que se chama de “convenção dividida”. Isso acontece quando nenhum dos candidatos que participam da corrida pela nomeação consegue a maioria dos delegados, ou seja, 1.991. Nesse caso, entram em jogo os superdelegados — figurões do partido — que se posicionam e acabam decidindo quem será o candidato independentemente de como foi o voto popular nos estados. A situação de “convenção dividida” é considerada mais arriscada para o partido, já que, se o candidato for decidido apenas em julho, o nome da situação — neste caso Donald Trump — terá tido mais tempo de campanha fazendo comícios e atacando os adversários do que a oposição.

CONVENÇÃO DIVIDIDA

Kondik crê que o risco de uma convenção dividida existe e que cabe agora a Sanders expandir seu apoio como Biden fez. Uma das variáveis para saber qual a chance dos democratas frente a Trump em novembro é saber qual candidato conseguirá convencer mais eleitores a votar em um país onde o voto não é obrigatório.

Em 2016, um dos fatores que contribuíram para a derrota de Hillary é que Trump foi mais eficaz em animar sua base a comparecer às urnas em estados-chave. Até agora, Sanders usava o argumento de que ele seria o candidato mais adequado a convencer os jovens —grupo que participa menos das eleições —a votarem. Mas os resultados da Superterça apontam no sentido contrário:em grande parte dos estados, a porcentagem de jovens entre os eleitores foi menor do que em 2016.

A performance na Superterça posiciona Biden para ficar em primeiro lugar no número de delegados mesmo que não ganhe a maioria absoluta deles. Biden é também o favorito para ganhar o apoio dos superdelegados. Caso ele esteja em primeiro lugar, há poucos argumentos que Sanders poderá usar para que a convenção seja decidida de maneira não favorável a Biden, mesmo que isso seja possível pelas regras, que preveem que os supedelegados votem como queiram. Isso porque o senador vem insistindo que quem tem a maior parte dos delegados, mesmo que não a maioria absoluta, deve ganhar a convenção, qualquer que seja a posição dos superdelegados.

“Não parece que Sanders vá expandir sua base. Então suspeito que Biden seja o provável nomeado. Mas ainda pode acontecer muita coisa, pois 62% dos delegados ainda devem ser definidos de agora até o fim das primárias”

David Schultz, professor de Ciência Política da Hamline University