Correio Braziliense, n. 21388, 07/10/2021. Política, p. 3

Bolsonaro aceita falar à PF

Ingrid Soares
Luana Patriolino


O presidente Jair Bolsonaro se antecipou à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) e se colocou, ontem, à disposição para prestar depoimento presencialmente no inquérito que apura suposta interferência política dele na Polícia Federal (PF). Segundo um interlocutor palaciano, o aceno está alinhado com o discurso de trégua com o Poder Judiciário depois do 7 de Setembro, quando assumiu uma postura de não buscar confronto com os membros da Corte. Anteriormente, Bolsonaro pleiteava que a manifestação ocorresse por escrito, embora a decisão do ministro aposentado Celso de Mello fosse para que o presidente seja ouvido presencialmente.

A mudança de estratégia foi anunciada no começo da sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) que decidiria o formato do depoimento de Bolsonaro. O ministro Alexandre de Moraes, que herdou o processo de Celso de Mello, suspendeu a votação para analisar a proposta de oitiva presencial. A Advocacia-Geral da União (AGU) solicitou que o presidente tivesse a possibilidade de depor em local, dia e hora previamente ajustados, em aplicação ao que prevê o Código de Processo Penal.

A tendência no STF era de que fosse mantido o entendimento de Celso de Mello. Dois meses depois, Bolsonaro disse à Corte que "declinava do meio de defesa". A indefinição travou o inquérito por um ano. Em julho, Moraes determinou que a PF retomasse as investigações.

O depoimento de Bolsonaro é a única etapa que falta para a conclusão do inquérito. Assim que for finalizado, o relatório da PF será encaminhado à Procuradoria-Geral da República (PGR), a quem cabe decidir se há ou não base para a apresentação de uma denúncia.

Colaboração
O documento assinado pelo advogado-geral Bruno Bianco afirma que o presidente tem "o intuito de total colaboração com a Corte". Bolsonaro está na condição de investigado no caso e uma das evidências de interferência na PF é o vídeo da reunião ministerial de 22 de abril de 2020, no Palácio do Planalto. No encontro, ele disse que iria "intervir" na superintendência da corporação no Rio de Janeiro para supostamente beneficiar familiares.

"Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui para brincadeira", disse o presidente na reunião. A ameaça seria o estopim para a saída de Sergio Moro do Ministério da Justiça e Segurança Pública, que, ao deixar o cargo, acusou Bolsonaro de querer controlar a PF.

Os dois, aliás, vinham em rota de colisão, pois o ex-juiz da Operação da Lava-Jato tentava manter o delegado Maurício Valeixo no comando das ações no Rio e o presidente pretendia colocar no lugar o delegado Alexandre Ramagem, hoje à frente da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).

Segundo a defesa de Moro, ao protocolar uma petição em que Bolsonaro concorda com o interrogatório presencial, a AGU "tentou esvaziar o teor do agravo regimental interposto na Corte". "Os advogados de defesa de Sérgio Moro reforçam que esse posicionamento somente confirma a procedência da tese defendida, desde o início da discussão do caso. A partir de agora, aguardamos a designação da data para a realização do ato procedimental de oitiva do investigado", salientou.