O Globo, n. 31479, 14/10/2019. Economia, p. 15

No Congresso, ‘pautas-bombas’ ameaçam ajuste

Marco Grillo


Apesar de um debate econômico mais voltado atualmente para temas que buscam aliviar os cofres públicos e tornar a cobrança de impostos menos complexa — caso das reformas da Previdência e tributária —, também passam pelo Congresso projetos com potencial de elevação de gastos. Ao contrário das assembleias legislativas, que lidam com assuntos locais, Câmara dos Deputados e Senado tratam de questões de maior impacto, que se traduziram em “pautas-bomba” em períodos recentes e, hoje, incluem a possibilidade de triplicar o montante que compõe o fundo destinado a financiar campanhas eleitorais.

O presidente Jair Bolsonaro vetou uma mudança aprovada pelo Congresso nesta legislatura que abria uma brecha para o aumento da verba do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, criado depois da proibição das doações de empresas. O texto atual da lei eleitoral estabelece que o valor do fundo corresponderá a 30% do que for destinado para as emendas estaduais de bancada. A alteração proposta retira a menção ao percentual específico, o que, na prática, permite que o valor chegue a 100% das verbas das emendas. Não haverá implicações para o ano que vem, porque os valores já foram definidos pelo governo na Lei Orçamentária Anual (LOA) —R$ 2,5 bilhões para o fundo —, mas, se o veto for derrubado pelo Congresso, o montante poderá crescer a partir de 2021.

Nos últimos anos, o crescimento de despesas foi provocado principalmente por meio de aumentos salariais para servidores — em alguns casos, em acordo político com o próprio governo federal. No período final da presidência de Dilma Rousseff (PT), a pauta ficou marcada por uma série de temas capazes de impulsionar os gastos públicos. Então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (MDB) conduzia uma agenda com o intuito de desgastar a gestão petista. Alguns pontos foram vetados por Dilma, como o reajuste ao Judiciário — concedido depois, já no governo de Michel Temer —e a extensão da política de aumento do salário mínimo aos benefícios do INSS.

Renúncia fiscal

Também está em tramitação no Congresso uma série de propostas —com pouca chance de irem à frente — defendendo renúncias fiscais para diversos produtos. A redução ou isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) é defendida para armas de fogo, carros comprados por oficiais de Justiça e até para a rapadura—em função das“excelentes propriedades nutricionais ”, justifica o projeto.

No caso dos oficiais de Justiça, o principal argumento é o fato de os tribunais arcarem a penas com os custos de combustível, sem levar em conta a depreciação dos carros próprios usados pelos profissionais para entregar as ordens judiciais.

— Muitos projetos tratam de iniciativas corporativistas. De pouquinho em pouquinho, as renúncias fiscais são concedidas, e o Estado perde arrecadação. É parte da tradição brasileira, com os grupos de interesse agindo —analisa o cientista político Ricardo Ismael, professor da PUC-Rio.

A Receita Federal estima que, em 2020, a União deixará de arrecadar R$ 331,1 bilhões em impostos, por causa das renúncias fiscais. O valor é 8% maior do que o previsto para este ano. Mesmo com o cenário de perda de receitas, as propostas que, obrigatoriamente, implicam mudanças na arrecadação não costumam trazer cálculos a respeito dos impactos econômicos e possíveis benefícios que a adoção da medida traria. Câmara e Senado têm estruturas com consultores e orientam os parlamentares a apresentarem este tipo de análise na formulação de projetos, mas a instrução não é seguida com frequência. Um projeto de lei que pretende tornar a pesquisa uma obrigação tramita a passos lentos.

Um dos autores do estudo “Avaliação de impacto legislativo —Cenários e perspectivas para sua aplicação”, o consultor legislativo Fernando Meneguin, atualmente diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça, defende que a análise prévia é necessária para melhorar a efetividade das políticas públicas. Ele cita o exemplo do Parlamento Europeu, em que as avaliações de impacto são obrigatórias e apresentadas em conjunto com os projetos.

— Vários países já perceberam que as leis têm papel fundamental para facilitar ou dificultar o desenvolvimento econômico. Há casos em que a motivação do legislador é boa, mas a falta de uma avaliação prévia provoca uma intervenção desnecessária e um efeito contrário ao pretendido — avalia Meneguin.

Problema inexistente

O estudo cita o exemplo de um projeto, já rejeitado, que defendia que as livrarias reservassem 30% do espaço físico para livros de autores brasileiros, sob pretexto de incentivar a produção nacional. Caso a determinação não fosse cumprida, as livrarias seriam multadas. O projeto não trazia dados que embasassem a proposta, mas os autores verificaram que, no ano em que a proposta foi apresentada, as vendas de livros de autores brasileiros representavam 90% do total. Ou seja, a proposição buscava resolver um problema inexistente.

Outro caso analisado é o de um projeto, também rejeitado, que criaria um adicional por tempo de serviço para funcionários de empresas que recebessem até dois salários mínimos. O estudo considerou que, ao atuar sobre trabalhadores do mercado formal, o projeto não cumpriria o objetivo declarado de incrementara rendado estrato mais pobre da população.

— Alguns parlamentares já manifestaram incômodo, sugerindo que a avaliação de impacto poderia tirara autonomia na hora de votar, porque eles ficariam vinculados ao que a análise diz. É fundamental que haja o debate político, mas o objetivo é agregar subsídios técnicos para melhorara discussão —argumenta Meneguin.