O Globo, n. 31508, 12/11/2019. País, p. 8

'Temos que nos insurgir contra ensaios autoritários'
Bernardo Mello


O decano do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Celso de Mello, foi homenageado ontem com o Prêmio ANJ de Liberdade de Imprensa, concedido pela Associação Nacional de Jornais (ANJ). Celso de Mello recebeu a premiação como reconhecimento à sua defesa pela liberdade de expressão e de imprensa em sua atuação no STF por três décadas, desde 1989. Em mensagem por vídeo, ele afirmou que a imprensa livre é essencial ao regime democrático e que a sociedade deve, neste momento, reagir às vozes autoritárias do nosso país “que se insurgem contra a liberdade de expressão”.

O anúncio da premiação ocorreu durante o Digital Media Latam (DML) 2019, organizado no Rio. O DML é um evento anual promovido pela Associação Mundial de Editores de Notícias (WAN-IFRA), que representa mais de 18 mil publicações, 15 mil sites e 3 mil empresas em 120 países.

A entrega do prêmio foi acompanhada por pronunciamentos de Fernando de Yarza López-Madrazo, presidente da WAN-IFRA, Marcelo Rech, presidente da ANJ e vice-presidente editorial e institucional do Grupo RBS, e Francisco Mesquita, presidente executivo e membro do Conselho de Administração do Grupo Estado, com mediação da colunista do GLOBO Míriam Leitão. João Roberto Marinho, vice-presidente do Conselho de Administração do Grupo Globo, também estava presente.

Por causa de dificuldades de locomoção devido a um problema no quadril, Celso de Mello não viajou ao Rio para a entrega. Ele recebeu a premiação em seu gabinete, em Brasília, das mãos do diretor-executivo da ANJ, Ricardo Pedreira, e enviou um vídeo em agradecimento. O ministro afirmou que “uma imprensa livre é condição fundamental para que sociedades resolvam seus conflitos, promovam o bem-estar e protejam sua liberdade ”. E que a liberdade de expressão e de imprensa não pode sofrer limitação de qualquer tipo, menos ainda quando vinda do Estado.

— Esse direito básico, inerente às formações sociais livres, não constitui concessão estatal, mas representa, sim, um valor inestimável e insuprimível da cidadania, que tem o direito de receber informações dos meios de comunicação social, a quem se reconhece, igualmente, o direito de buscar informações, de expressar opiniões e de divulgá-las sem qualquer restrição, em plena liberdade — declarou Celso de Mello.

Censura é “insuportável”

Ao receber o prêmio, Celso de Mello declarou que é necessário se insurgir contra “tentativas e ensaios autoritários” que tentam minar a livre expressão:

— Recebo como distinção de grande importância para mim, especialmente em um momento em que vozes autoritárias do nosso país se insurgem contra a liberdade de expressão, que representa um pressuposto necessário à própria configuração do regime democrático. Temos de nos insurgir contra tentativas e ensaios autoritários que buscam suprimir essa liberdade natural.

O ministro do STF afirmou ainda que tentativas de interdição judicial a jornalistas e a empresas jornalísticas configuram “clara transgressão” à Constituição:

— O peso da censura é algo insuportável e absolutamente intolerável. Por isso, não podemos nem devemos retroceder nesse processo de reafirmação das liberdades democráticas.

Em sua apresentação do Prêmio ANJ, Míriam Leitão destacou que a associação, fundada em 1979, já acumula 40 anos de trabalho para a promoção da liberdade de imprensa e da troca de experiências entre jornais brasileiros. O prêmio, criado em 2008, homenageia pessoas e entidades com papel relevante na defesa da liberdade de expressão.

— Celso de Mello é uma referência, uma autoridade moral neste país. É um defensor intransigente da democracia e da liberdade de expressão. Seus votos são inspiradores e nos iluminam nesses momentos difíceis —declarou.

O presidente da ANJ, Marcelo Rech, reforçou que o decano do STF tem sido “por toda a sua vida um guardião da liberdade”:

— O principal obstáculo às ameaças contra a imprensa reside na força das instituições, entre elas um Judiciário independente que não se dobre às forças do governante da ocasião. Por tudo isso é tão relevante o prêmio que estamos concedendo ao ministro Celso de Mello. Para que haja uma imprensa livre, é preciso juízes comprometidos publicamente com a liberdade de expressão — afirmou Rech.

Método de confrontação

Francisco Mesquita destacou negativamente os ataques e linchamentos virtuais cometidos contra jornalistas no país e afirmou que o presidente Jair Bolsonaro se tornou “um símbolo da hostilidade ao exercício do jornalismo” ao estimular seus eleitores a manter um “clima de radicalismo político que impera no país há alguns anos e ajuda a alimentar ataques contra jornalistas”:

— Este método de confronto sistemático mostra claramente um desejo de atacar a liberdade de imprensa. Temos orgulho por ter uma imprensa moderna, vibrante e altamente profissionalizada no Brasil. O ministro Celso de Mello nos lembra que qualquer tipo de censura é ilegítima, autocrática e incompatível com liberdades consagradas na Constituição.

Presidente da WAN-IFRA, Fernando de Yarza López Madrazo defendeu que a honradez e a busca pela verdade são princípios do jornalismo e lamentou ataques à liberdade de imprensa no Brasil e em todo o mundo:

— Quero transmitir meu apoio à imprensa brasileira. Nossa ferramenta fundamental é a palavra. Não nos cansemos nunca de denunciar cada violência e cada ameaça à liberdade de expressão.

Durante o evento, a ANJ fez uma homenagem aos jornalistas Clóvis Rossi e Ricardo Boechat, que morreram em 2019. Eles foram lembrados pela “atuação destacada” em favor do bom jornalismo ao longo de suas carreiras.

“Esse direito básico (de informar e ser informado) é um valor inestimável e insuprimível da cidadania”

Celso de Mello, ministro do STF

“O principal obstáculo às ameaças contra a imprensa reside na força das instituições, entre elas um Judiciário independente”

Marcelo Rech, presidente da ANJ

“Nossa ferramenta é a palavra. Não nos cansemos nunca de denunciar cada violência e ameaça à liberdade de expressão”

Fernando López-Madrazo, presidente da WAN-IFRA