O Globo, n. 31508, 12/11/2019. País, p. 4

Barreiras jurídicas e políticas
Bruno Góes
Gustavo Maia
Carolina Brígido



Na primeira reação concreta contra a derrubada da prisão em segunda instância no Supremo Tribunal Federal (STF), que beneficiou presos como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara voltou a debater uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que prevê a execução antecipada da pena. No colegiado do Senado, uma matéria com o mesmo objetivo, mas redação diferente, também será pautada. O avanço dos projetos, porém, esbarra em obstáculos políticos, com o centrão resistindo a apoiar o tema, e empecilhos jurídicos, diante dos potenciais questionamentos sobre a constitucionalidade dos textos em análise.

Levando em consideração as forças políticas na Câmara desde aposse em fevereiro, o grupo formado por DEM, PP, PL, Republicanos, PSD, MDB e Solidariedade, conhecido como centrão, tem decidido as votações. No entanto, ainda não há união dessas siglas em torno do tema da prisão em segunda instância, o que faz do resultado de uma possível votação da PEC na CCJ incerto.

Amanhã de ontem, porém, começou com o sinal de que o PL irá se manifestar contra a proposta. Defensor da prisão em segunda instância, o deputado Capitão Augusto (PLSP), coordenador da bancada da bala, foi retirado da CCJ, onde o tema foi discutido. No seu lugar, o partido colocou Giovani Cherini (PL-RS), que votará contra a PEC.

— Eu não pedi para sair. Posso dizer isso. Sou 1.000% favorável à manutenção da prisão após condenação em segunda instância. Mas os motivos da decisão, isso é com o partido —disse o deputado.

Com 66 titulares, a CCJ não tem data marcada para votara constitucionalidade da proposta do deputado Alex Manente( Cidadania-SP ). Republicanos,PSD e MD B têm, cada um, oito votos na comissão, mas ainda não deliberaram posição sobre o projeto. Liderado por Arthur Lira (AL), o PP, que tem dez votos, tende a votar contra.

Deputados do PSDB e do DEM, por outro lado, estão mais propensos a defender abertamente a proposta. No DEM, no entanto, há a oposição do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que critica o texto de Manente. Isso porque o projeto altera o artigo 5º da Constituição, que diz que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, considerado por constitucionalistas cláusula pétrea, ou seja, dispositivo que não pode ser alterado.

Maia, a quem cabe definir a pauta do plenário, defendeu ontem que a PEC seja ajustada e citou a possibilidade de mudanças em outros artigos que tratam dos tipos de ações julgadas pelo STF e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

— Espero só que a Câmara não caminhe para descaracterizar uma cláusula pétrea. Existem outros caminhos para se chegar ao resultado que se quer, que é acabar com a morosidade do Judiciário, para que as pessoas não usem os atrasos em beneficio das pessoas que cometeram crimes. Mas crime maior seria desrespeitar e mudar o artigo 5º da Constituição —afirmou Maia.

O presidente do STF, Dias Toffoli, também fez esse alerta ao dar o voto decisivo, na última quinta-feira, que barrou a prisão após segunda instância. O ministro disse que os parlamentares têm todo o direito de mudar o artigo 283 do Código de Processo Penal (CPP), que lista os tipos de prisão possíveis: flagrante, preventiva, temporária ou “em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado”. Toffoli ponderou, porém, que o artigo 5º da Constituição não poderia ser alterado.

“Espero só que a Câmara não caminhe para descaracterizar uma cláusula pétrea. Existem outros caminhos”

 

Rodrigo Maia, sobre a PEC da prisão após segunda instância

“Não pedi para sair. Posso dizer isso. Sou 1.000% favorável à manutenção da prisão após condenação em segunda instância”

 

Capitão Augusto, após ser retirado por seu partido, o PL, da CCJ da Câmara

DESAFIOS NO SENADO

No Senado, pelo menos 13 dos 27 integrantes titulares da CCJ já se manifestaram publicamente a favor da prisão em segunda instância. Dentre eles, 12 assinaram a carta a favor da medida enviada ao Supremo e à Procuradoria-Geral da República (PGR) na semana passada. Já os dois senadores do PT que estão no colegiado, Humberto Costa (PE) e Rogério Carvalho (SE), são contrários à medida. Mas 12 parlamentares — do PDT, MDB, PP, PSD, PSDB, PSB, Pros e DEM — não se manifestaram publicamente ou disseram não ter posição formada até o momento.

Na semana passada, a presidente da CCJ Senado, Simone Tebet (MDB-MS), anunciou que pautaria a proposta para a próxima sessão do colegiado. Como nesta semana a Casa estará fechada por causa da reunião dos Brics, bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, o início da tramitação na comissão deve ficar para a semana que vem.

Embora não altere o artigo 5º da Constituição, a PEC que está no Senado também está ameaçada por possíveis contestações. O texto insere o seguinte trecho no artigo 93: “A decisão condenatória proferida por órgãos colegiados deve ser executada imediatamente, independentemente do cabimento de eventuais recursos”. Esse artigo não é considerado cláusula pétrea, mas pode ser questionado por suprimir do cidadão o direito de aguardar em liberdade até o trânsito em julgado.

Esse direito, segundo um ministro do STF ouvido pelo GLOBO em caráter reservado, seria considerado uma garantia fundamental. O artigo 60 da Constituição fala que não pode haver alteração de “direitos e garantias individuais”. Outro ministro, que também falou na condição de anonimato, disse que mudanças são possíveis via projeto de lei ou PEC, desde que não destruam cláusulas pétreas.(Colaborou Marco Grillo e Isabella Macedo)

Entenda o efeito do julgamento do STF

O que o Supremo Tribunal Federal decidiu?

Na semana passada, por seis votos a cinco, a Corte barrou a prisão após segunda instância e entendeu que réus só podem ser presos após esgotadas todas as possibilidades de recursos na Justiça (trânsito em julgado).

Qual o impacto da decisão?

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) informou em outubro que a decisão do STF potencialmente pode colocar em liberdade 4.895 presos — aqueles que estão na cadeia por causa de uma decisão de um tribunal de segunda instância. O ex-presidente Lula e outros condenados no âmbito da Lava-Jato, como o ex-ministro José Dirceu, estavam nesse grupo e já foram soltos.

A libertação de presos é automática?

Não. No caso dos presos potencialmente beneficiados, cada defesa deverá pedir a libertação de seu cliente. E o pedido deve ser analisado pelo juiz responsável. Ao analisar o pedido, e se provocado, o juiz pode determinar prisão preventiva.