O Globo, n. 31478, 13/10/2019. País, p. 4

Partidos envelhecem

Marlen Couto
João Paulo Saconi


Alexandre Veiga e Letícia Arsênio, de 21 e 24 anos, tomaram a iniciativa de se filiar a partidos políticos. Ele ingressou no PDT em agosto e ela faz parte do Novo desde dezembro do ano passado. Em lados opostos do espectro político, eles representam um grupo cada vez mais raro na maioria das siglas brasileiras: o jovem. Levantamento do GLOBO, a partir de estatísticas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), revela que hoje as 32 legendas registradas no país têm a menor participação de filiados com idade entre 16 e 24 anos desde 2008 — primeiro ano com dados públicos disponíveis. Em agosto de 2008, os filiados nessa faixa etária somavam 658,1 mil e representavam 5,2% dos brasileiros que integravam algum partido naquele ano.

Em agosto de 2019, esse número caiu para 247,8 mil — o equivalente a 1,5% dos 16,8 milhões de filiados no Brasil. Nos últimos anos, só não houve queda na participação de jovens nos partidos em 2012 e 2016, quando foram feitas eleições municipais. Em números absolutos, a redução de filiados mais jovens é de 20% em relação ao ano passado e chega a 62% na comparação com 2008. Por outro lado, no quadro geral, a filiação a legendas cresceu no país. Para Alexandre, o desinteresse dos mais jovens pode ter relação com a desconfiança ética com as siglas.

— Os partidos são feitos por pessoas e, como todos nós, elas podem ter as suas contradições. Isso não quer dizer que a política partidária deva ser anulada — diz o estudante de Cinema, que teve o primeiro contato com a política na escola, em um coletivo cultural.

No caso de Letícia, o interesse pela política veio em 2013, em meio à eclosão de protestos que tomaram as ruas do país. Desde então, ela teve contato com iniciativas como o Students for Liberty e o RenovaBR e se filiou ao Novo, após analisar o resultado das eleições de 2018.

— Depois da onda de renovação, me senti ainda mais na obrigação de fazer a minha contribuição para construir um Brasil melhor —afirma. A composição etária dos partidos não espelha a população brasileira. Enquanto os quadros mais jovens das siglas representam

menos de 2% dos filiados, os brasileiros com idade entre 16 e 24 anos são 14% da população, segundo o IBGE. Já o grupo com 60 anos ou mais equivale a 35% dos filiados, apesar de corresponder a 13,8% dos brasileiros. Os maiores e mais antigos partidos têm menos jovens em seus quadros do que a média nacional. É o caso do MDB, no qual os jovens são apenas 0,8% dos filiados, enquanto os que têm 60 anos ou mais representam quase metade do total.

A cientista política Amanda Machado, que pesquisou na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) o recrutamento partidário de jovens gaúchos, diz que os partidos costumam priorizar universitários com perspectiva de seguir carreira política, e atraem quem já tem familiares nas legendas. Em geral, conclui, não há investimento na formação de eleitorado: — Os partidos têm uma estrutura consumida pela lógica e necessidade de ter representantes no Executivo e Legislativo. Mas a legislação prevê recursos para que as fundações partidárias atuem na educação política. Pesquisadora do Centro de Estudos do Comportamento Político da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Myla Freire concorda que é preciso investir em educação política, mas defende que isso ocorra na escola. Ela destaca que o jovem engajado costuma se mobilizar a partir de causas:

— São diversas, direito à cidade, igualdade de gênero, meio ambiente, e não parecem estar na maioria dos partidos.

Professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP), Adrian Lavalle diz que a redução de filiações de jovens ocorre em um contexto de desencanto com os partidos a partir da Lava-Jato. No entanto, enfatiza que não há desinteresse pela política e que o engajamento e troca de informações sobre o tema ocorrem em outros espaços, inclusive nas redes sociais:

— Um exemplo de como não se trata de uma rejeição à política são as eleições para conselhos tutelares (no domingo passado). Observamos o maior grau de mobilização que já se registrou. Uma parte importante da mobilização foi feita via redes sociais com jovens se engajando na defesa do ECA(Estatuto da Criança e do Adolescente).

A atuação de Larissa Franco, de 21 anos, é exemplo de engajamento desvinculado das siglas. Atenta a questões ambientais desde o rompimento da barragem em Mariana (MG), em 2016, a jovem já organizou protestos pela proteção da Amazônia, convocados pela internet, e ajudou a fundar um coletivo sobre o tema. Ela não pensa, porém, em integrar um partido.

— A internet é uma ferramenta para alcançar mais pessoas. Com o protesto pela Amazônia, foi da mesma forma. As redes têm o poder de ampliar os movimentos e podemos utilizá-la para isso, mas ficar só nela pode ser um problema —conclui. Daniel Lucas Batista, de 22 anos, milita contra o preconceito racial e pela inclusão de pessoas com deficiência. Fora de partidos, integra um coletivo negro e organiza um evento sobre diversidade na Universidade Federal do Rio (UFRJ).

— Quando (os partidos) falam sobre nós é por marketing. Não vemos a acessibilidade transformada em realidade — diz o estudante, que tem uma deficiência congênita nas mãos.

Marcos da mobilização jovem no Brasil

1983-1984

A campanha das “Diretas já” pela volta das eleições diretas para presidente da República, após 20 anos de regime militar, mobilizou jovens no país em grandes passeatas e comícios. Um deles reuniu 30 mil pessoas na Praça da Sé, em São Paulo.

1988

A campanha “Se liga, 16!” ,com o apoio da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (Ubes) e da União Nacional dos Estudantes (UNE), ganha força e o voto aos 16 anos torna-se direito garantido pela Constituição de 1988.

1992

Jovens e estudantes, com os rostos pintados de preto, verde e amarelo, vão às ruas em manifestações públicas durante o processo de impeachment do então presidente Fernando Collor.

2013

Convocados pelas redes sociais e sem o comando de partidos, protestos levam milhões às ruas em junho, a maioria jovens. As manifestações começaram contra aumentos no preço da passagem de ônibus, mas acabaram reunindo reivindicações difusas.

2016

Estudantes secundaristas ocuparam escolas em todo o país em protesto contra a reforma do Ensino Médio e a PEC do teto de gastos, propostas pelo governo de Michel Temer. As ocupações ocorreram em mais de mil escolas.

2019

Protestos contra o bloqueio de recursos para a educação anunciado pelo Ministério da Educação do governo de Jair Bolsonaro levaram estudantes às ruas em centenas de cidades. Universidades e escolas também fizeram paralisações.