Correio Braziliense, n. 21386, 05/10/2021. Política, p. 4

PGR investigará offshores

Jorge Vasconcellos


O procurador-geral da República, Augusto Aras, abriu um procedimento de apuração preliminar sobre a atividade de offshores (empresas internacionais) em nome do ministro da Economia, Paulo Guedes, e do presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto. A existência dessas empresas foi revelada, no último fim de semana, pelo Consórcio Internacional de Jornalismo Investigativo (ICIJ). O ato da PGR é um pré-inquérito que pode levar à abertura de uma investigação ou ser arquivado. O primeiro passo será enviar um ofício aos dois para pedir informações.

Segundo a legislação brasileira, não é crime ter uma offshore, desde que declarada à Receita Federal. Guedes afirmou, ontem, por meio da assessoria, que sua empresa nas Ilhas Virgens Britânicas foi devidamente declarada ao Fisco antes de ele assumir o ministério.

“Toda a atuação privada do Ministro Paulo Guedes, anterior à investidura no cargo de ministro, foi devidamente declarada à Receita Federal, Comissão de Ética Pública e aos demais órgãos competentes, o que inclui a sua participação societária na empresa mencionada. As informações foram prestadas no momento da posse, no início do governo, em 2019”, disse o Ministério da Economia.

Campos Neto, também em nota, afirmou que “está tudo declarado” e que não fez nenhuma movimentação desde que chegou ao governo. Segundo o presidente do BC, está tudo “bastante claro” e é importante seguir com a agenda.

“Não fiz nenhuma remessa para a empresa, em nenhum momento, desde que cheguei ao governo. E não fiz nenhum investimento financeiro em nenhuma empresa. Colocamos isso em uma mensagem e está bastante claro”, disse Campos Neto, ao participar de uma live.

Violação

A oposição considera que o caso do ministro e do presidente do BC configura conflito de interesses, com violação do artigo 5º do Código de Conduta da Alta Administração Federal. Esse dispositivo proíbe funcionários do alto escalão de manter aplicações financeiras, seja no Brasil ou no exterior, passíveis de serem afetadas por políticas governamentais. Como Guedes é ministro da Economia, ter uma offshore configuraria conflito de interesse. Por descumprir essa regra, o ministro pode ser punido pela Comissão de Ética Pública. As sanções previstas variam de uma leve advertência à recomendação de demissão.

Para o líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ), a descoberta sobre os negócios privados de Guedes “deveria levar à demissão do Ministro”. O deputado deu entrada, ontem, no Ministério Público Federal (MPF), a uma representação em que acusa Guedes e Campos Neto de improbidade administrativa.

Já o líder da Oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), protocolou, no STF, uma notícia-crime contra Guedes e Campos Neto. “Solicitamos à Vossa Excelência, na qualidade de ministro responsável pela condução do presente caso, deveras grave, oficie à Procuradoria-Geral da República para que aquela promova a abertura de investigação preliminar, consequente instauração de inquérito e eventual posterior denúncia com vistas à persecução criminal ou demais procedimentos cabíveis”, requereu Randolfe.

A oposição aproveitou a sessão de ontem do plenário da Câmara para cobrar explicações sobre o caso. Diversos deputados pediram a convocação do ministro da Economia. Não havia parlamentares governistas na sessão.

Pauta governista

O caso envolvendo Guedes e Campos Neto ocorre na semana em que o Senado pretende destravar a pauta econômica. Para hoje, por exemplo, está prevista a votação do Marco das Ferrovias, que abre espaço para a participação privada no setor. Há outras pautas prioritárias, como a privatização dos Correios, a reforma do IR e o BR do Mar (projeto que amplia o transporte marítimo de cabotagem pela costa brasileira para reduzir a dependência do transporte rodoviário).

Para o senador Izalci Lucas (PSDB-DF), apesar da gravidade da denúncia, não haverá reflexos negativos na tramitação da pauta econômica. Segundo ele, o Congresso, “diante da falta de articulação do governo, assumiu um protagonismo desde o início da pandemia da covid-19”. O parlamentar explicou, também, que “a pauta que a gente tem votado não tem a ver com os dois atores (Guedes e Campos Neto). Muito pelo contrário: apesar do governo, a gente tem colaborado e votado muitas coisas do interesse do Brasil”.

Saiba mais

O Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ em inglês) investigou milhões de documentos de paraísos fiscais em todo o mundo. Segundo o levantamento, o ministro Paulo Guedes criou a Dreadnoughts International Group, em 2014, nas Ilhas Virgens Britânicas. Na ocasião, com pelo menos US$ 8 milhões investidos, a companhia foi registrada no nome dele, no da mulher, Maria Cristina, e da filha, Paula. Os investimentos na offshore saltaram para US$ 9,5 milhões no ano seguinte, ainda conforme a investigação jornalística.

Roberto Campos Neto tinha duas empresas também nas Ilhas Virgens Britânicas: a ROCN Limited, encerrada em 2016, e a Cor Assets S/A, fechada em 2020 — que funcionou enquanto ele também era presidente do Banco Central. Em comunicado, ele disse que não houve nenhuma remessa de recursos às empresas após a nomeação para função pública. “Desde então, por questões de compliance, não participo da gestão ou faço investimentos com recursos das empresas”, garantiu. Campos Neto tinha pouco mais de US$ 1 milhão na Cor Assets.

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