O Globo, n. 31477, 12/10/2019. País, p. 10

Assessor tinha laços com ataques virtuais, diz site



Participantes de grupos de WhatsApp dedicados a fazer ataques contra adversários e ministros do presidente Jair Bolsonaro, além de jornalistas, cultivaram laços com integrantes do governo, segundo reportagem publicada ontem pela revista eletrônica “Crusoé”. De acordo com o texto, o assessor especial da Presidência Filipe Martins compareceu a um encontro da “milícia virtual”, nomenclatura que os próprios integrantes do grupo passaram a adotar após reportagens da imprensa, em abril deste ano, em São Paulo. O encontro foi descrito como “planejamento de guerra” por um dos participantes, o tesoureiro-geral do PSL de São Paulo, Otavio Oscar Fakhoury, segundo áudios e mensagens obtidos pela “Crusoé”. Procurado, o Planalto informou que Bolsonaro e Martins não se pronunciariam. Segundo um interlocutor do assessor da Presidência, ele deve entrar com pedido judicial de direito de resposta contra a “Crusoé” . Martins publicou uma foto do encontro de bolsonaristas, em São Paulo, no dia 6 de abril, afirmando que se tratava de um “feedback” de movimentos conservadores sobre os primeiros cem dias do governo Bolsonaro. Áudios e mensagens obtidos pela revista indicam que Martins citou a necessidade de um “entrosamento maior” da militância virtual. “Só quero um entrosamento maior dos movimentos. Porque vamos precisar”, teria dito Martins, de acordo com mensagem divulgada pela “Crusoé”.

Ataques a Santos Cruz

Segundo a “Crusoé”, Martins e Fakhoury instigaram a militância bolsonarista, às vésperas do encontro em São Paulo, a atacar o então ministro da Secretaria de Governo, Carlos Alberto dos Santos Cruz. O motivo seria uma entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo”, no dia 5 de abril, na qual Santos Cruz dizia que as redes sociais não podiam “virar arma nas mãos dos grupos radicais.” Martins teria dito a interlocutores em conversas privadas, destaca a revista, que Santos Cruz vinha “impedindo a comunicação do governo de deslanchar” e que “tem as críticas do Carlos a ele”. A frase se referia, segundo a “Crusoé”, ao vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ) e filho do presidente, que criticaria publicamente, dias depois, a área de comunicação do governo do pai — sob o guardachuva de Santos Cruz. Outra mensagem atribuída a Martins afirma que Santos Cruz “interfere em vários ministérios”, “caçando tudo que é conservador”, segundo a reportagem. Fakhoury, empresário com atuação no setor financeiro e que também é responsável pelo site bolsonarista Crítica Nacional, passou a usar os grupos de WhatsApp que reuniam a “milícia virtual” para pedir ações coordenadas destinadas a enfraquecer Santos Cruz, afirma a “Crusoé”. Uma delas seria uma defesa a Letícia Catelani, ex-secretária-geral do PSL-SP, presidido pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSLSP), filho do presidente. Catelani havia sido nomeada pelo ministro Ernesto Araújo (Relações Exteriores) para um cargo na Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), mas acabou exonerada supostamente por interferência de Santos Cruz, diz a revista. “Se não fizermos nada, nós ‘milicianos’ aqui, o próximo a cair é o Ernesto”, disse Fakhoury, segundo a reportagem. Ainda de acordo com a “Crusoé”, Fakhoury nomeou um dos grupos de WhatsApp como “Milícia Jacobina”, numa referência à forma como a militância bolsonarista virtual era citada na reportagens. Fakhoury não foi localizado pelo GLOBO. Eduardo Bolsonaro foi procurado, mas não se manifestou. A “Crusoé” aponta ainda que, nos grupos criados por Fakhoury, militantes próBolsonaro discutiam e coordenavam ataques a jornalistas e adversários, inclusive de pessoas identificadas com a direita.