O Globo, n. 31476, 11/10/2019. Mundo, p. 22

Endosso negado

Gustavo Maia
Gabriel Garcia
Manoel Ventura
Sergio Roxo


O governo dos EUA não endossou a proposta do Brasil de ingressar na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), após as principais autoridades americanas a apoiarem publicamente em diversas ocasiões, revelou a agência Bloomberg ontem. A revelação de uma carta do secretário de Estado, Mike Pompeo, à direção da OCDE, causou mal estar, surpresa e frustração em Brasília elevou o governo a buscar minimizara situação, afirmando que o posicionamento dos EUA já estava previsto desde o encontro dos presidentes Jair Bolsonaro e Donald Trump em março em Washington, quando o americano deu apoio público à entrada do Brasil na organização.

Na carta enviada ao secretário-geral da OCDE, Ángel Gurría, datada de 28 de agosto, Pompeo rejeitou um pedido para discutir mais ampliações do clube dos países mais ricos. Ele acrescentou que Washington apoia apenas as candidaturas de adesão de Argentina e Romênia.

EUA retiraram Brasil

“Os EUA continuam a preferira ampliação a um ritmo contido que leve em conta a necessidade de pressionar por planos de governança e sucessão”, afirmou o secretário de Estado na carta.

Segundo o Valor, Pompeo rejeitou um plano de Gurría que previa a ampliação da OCDE com seis países, com um cronograma definido para início de negociações: Argentina imediatamente; Romênia em dezembro; Brasil em maio de 2020; Peru em dezembro de 2020; e Bulgária em maio de 2021, com Croácia ficando para o futuro. Pompeo, sem dar explicações, aceitou apenas Argentina e Romênia, e o parágrafo que mencionava os prazos de Brasil, Perue Bulgária foi cortado.

A mensagem se afasta da posição pública dos EUA sobre o assunto. Em março, Trump disse em entrevista coletiva conjunta com Bolsonaro na Casa Branca que apoiava a adesão do Brasil ao grupo de 36 membros. O apoio foi reiterado em maio na reunião anual da OCDE em Paris, quando o chanceler Ernesto Araújo, presente ao encontro, afirmou que era“a peça que faltava para que possamos começar no mais breve prazo o processo de adesão ”. O chanceler disse entãoque a reunião“já começava a contar como o início do processo de adesão do Brasil”.

Em julho, o secretário de Comércio dos EUA, Wilbur Ross, reiterou o apoio de Washington ao Brasil em visita a São Paulo.

A promessa de endosso dos EUA à entrada brasileira na OCDE foi um dos primeiros claros benefícios obtidos pelo estreito alinhamento de Bolsonaro com o governo Trump. A entrada no grupo — uma espécie de selo internacional de qualidade macroeconômica — é considerada uma das principais apostas da política externa do Brasil. Em troca, o Brasil se comprometeu a abrir mão do status de nação em desenvolvimento na Organização Mundial do Comércio (OMC), o que lhe dava benefícios como prazos maiores para a adequação a acordos comerciais e regras mais flexíveis na concessão de subsídios industriais.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que o Brasil já tinha sido avisado que não seria imediatamente apoiado pelos EUA. Segundo Guedes, o Brasil poderá ainda ser apoiado no futuro.

— Desde o encontro do presidente Bolsonaro com Trump, lá em Washington, isso já havia ficado claro — disse ele.

Ao site O Antagonista, Guedes explicou que Washington “por questão estratégica, não poderia indicar o Brasil neste momento, mas não é uma rejeição no mérito”, e sim de “timing, porque há outros países na frente, como a Argentina”.

O assessor internacional da Presidência, Filipe Martins, também afirmou que já estava tudo previsto.“Não há fato novo. Os EUA estão cumprindo exatamente o que foi acordado em março e agindo de acordo com o cronograma estabelecido na ocasião”, disse no Twitter.

O Itamaraty, no entanto, divulgou nota afirmando que “não há um tempo definido para a duração do processo de adesão, sendo possível que um país inicie o procedimento posteriormente”.

Fontes do Ministério da Economia indicaram que a decisão americana foi frustrante em vista dos planos de Guedes de entrar logo no “clube dos países ricos”.

Trump reitera apoio

O presidente Bolsonaro, em uma live transmitida pelas redes socais, disse que em “um ano ou um ano e pouco” o Brasil entrará na OCDE. O presidente argumentou que há uma fila de países para ingressar na organização.

— Nãoé chegou evai entrando. A seleção é a conta gotas. Continuamos firmes e fortes, daqui a um ano, um ano e pouco estaremos dentro, se Deus quiser.

Pelo Twitter, o presidente Trump reiterou que apoia “o início do processo de adesão plena do Brasil à OCDE”.

Já o presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Nelsinho Trad (PSD-MS), aliado do governo, mostrou-se surpreso e disse que vai se reunir com o chanceler Ernesto Araújo em busca de explicações.

— Ao que me consta, os Estados Unidos eram nosso maior padrinho e incentivador na questão do ingresso na OCDE. Vamos nos reunir para esclarecer os fatos. (Com agências internacionais)