O Globo, n. 31510, 14/11/2019. Mundo, p. 25

Namoro quase noivado
Eliane Oliveira
Jussara Soares  
Marcello Corrêa



Em uma reunião que durou cerca de 40 minutos em Brasília, o presidente Jair Bolsonaro e o chinês Xi Jinping assinaram ontem nove atos — entre acordos e memorandos de intenções — e fizeram promessasmútuas de ampliação e fortalecimento das relações bilaterais. Bolsonaro, que antes de assumir a Presidência da República, no início do ano, via a China com ressalvas, afirmou que o país asiático faz “parte do futuro do Brasil”. Com isso, ele consolida uma radical mudança de posicionam entoque já vinha sendo pavimentada e foi reforçada ontem coma revelação, pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, de que o Brasil está negociando um acordo de livre comércio com a China.

— A China cada vez mais faz parte do futuro do Brasil. O nosso governo vai, cada vez mais, tratar com o devido carinho, respeito e consideração esse gesto do governo chinês. Todos nós, brasileiros e chineses, temos a ganhar em momentos como este — disse o presidente, que em outubro se reuniu com Xi Jinping em Pequim.

Contraponto com EUA

A reunião bilateral ocorreu no primeiro dia da 11ª cúpula do Brics — grupo que inclui ainda Rússia, Índia e África do Sul. Bolsonaro também agradeceu a Xi o apoio dado ao Brasil na questão da soberania da Amazônia. Quando o governo brasileiro era fortemente criticado por causa das queimadas na região, em agosto deste ano, o número dois da embaixada chinesa em Brasília, Qu Yuhui, defendeu o Brasil e disse que a legislação ambiental brasileira é uma das mais rigorosas do mundo.

— Foi um gesto de grandeza que nos fortaleceu muito — disse Bolsonaro, afirmando ainda ser “bem-vindo” o “aceno do governo chinês de agregar valor a tudo que nós produzimos”.

Já o presidente chinês disse que Brasil e China são “bons amigos, bons parceiros, e têm interesses comuns”. Afirmou que avalia como positivos os esforços do governo brasileiro para promover o desenvolvimento socioeconômico do país e defendeu o aprofundamento das relações bilaterais, inclusive a “confiança política”, em “pé de igualdade”.

— Vamos continuar discutindo o alinhamento, a cooperação em áreas como agricultura, mineração, óleo e gás, ciência e tecnologia, infraestrutura, entre outras áreas. A China atribui grande importância à influência do Brasil na América Latina e no Caribe — enfatizou Xi Jinping.

A China, atendendo a um pedido de Bolsonaro quando visitou Pequim no fim de outubro, foi o único país estrangeiro cujas companhias participaram do recente leilão do pré-sal. Na ocasião, o presidente brasileiro pôs de vez uma pá de cal no mal-estar com o país asiático que ele alimentara durante a campanha eleitoral em 2018, quando visitou Taiwan, considerada uma província rebelde por Pequim, e acusou a China de estar “comprando o Brasil”.

Em contraponto com esse estreitamento, duas semanas antes da visita de Bolsonaro à China, veio à tona que os Estados Unidos — apesar do alinhamento ideológico de Bolsonaro com o governo de Donald Trump — não cumpriram com a promessa feita pelo americano, em março, de endossar a entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o chamado “clube dos ricos”. Em vez disso, apoiou a entrada de Argentina e Romênia. A entrada na OCDE é uma das principais apostas de política externa do governo Bolsonaro, e a atitude dos EUA foi recebida com frustração em Brasília na ocasião.

Bolsonaro e Xi se reuniram no fim da tarde com os presidentes da Rússia(Vladimir Putin), da África do Sul (Cyril Ramaphosa), e o primeiro-ministro da Índia (Narendra Modi). Os líderes participaram da cerimônia de encerramento de um fórum empresarial com cerca de 500 empresários dos cinco países, seguido de um jantar no Itamaraty.

Não ao protecionismo

Putin e Xi criticaram o crescimento de medidas protecionistas no mundo. O presidente chinês afirmou que o protecionismo é uma ameaça ao crescimento global e cobrou a remoção de barreiras comerciais. Já o russo disse que os países não podem se deixar abater por essa onda de restrições, segundo ele causadas pelo desaquecimento da economia internacional. Ao encerrar os discurso, Bolsonaro, por sua vez, preferiu ignorar o tema, assim como outras questões polêmicas envolvendo os demais integrantes do Brics, como a Venezuela, onde o governo de Nicolás Maduro tem o apoio de China e Rússia.

— Medidas de aproximação, sinalizações de que queremos cada vez mais fazer negócios com o Brics se mostram uma realidade — disse ele.

Com Modi, Bolsonaro também teve um encontro bilateral. Os dois reforçaram a intenção de avançar na cooperação em diversas áreas de comércio e tecnologia. O brasileiro confirmou que irá às comemorações do Dia da República, na Índia, em 26 de janeiro de 2020. O premier disse, ainda, que, paralelamente aos encontros governamentais, quer aproximar os setores privados dos dois países.

“A China cada vez mais faz parte do futuro do Brasil”

Jair Bolsonaro, Presidente do Brasil

“(Brasil e China) São bons amigos, bons parceiros, e têm interesses comuns”

Xi Jinping, presidente da China