O Globo, n. 31475, 10/10/2019. País, p. 07

Mulheres de presos relatam tortura e agressões no Pará

Aline Ribeiro


Desde que a força-tarefa federal ocupou parte dos presídios do Pará, no fim de julho, familiares de presos, advogados e agentes penitenciários estaduais vêm denunciando casos de tortura generalizada. Numa fala uníssona, mulheres dos presos relatam maus-tratos, torturas física e psicológica, falta de medicamentos e alimentação estragada. Sob condição de anonimato, uma delas contou em depoimento ao GLOBO que seu marido foi obrigado a sentar no formigueiro sem roupa e teve seu órgão sexual atingido por spray de pimenta:

— Eles foram obrigados a sentar em formigueiro e abrir as pernas para eles (agentes) jogarem spray de pimenta. São torturados diariamente com bala de borracha, cassetete, bomba de efeito moral. Estão sendo afogados em fossas para entregar celular e drogas.

O marido dela está detido por tráfico e assalto, há três anos, no Centro de Recuperação Agrícola Silvio Hall de Moura, em Santarém, no oeste do Pará. A unidade está sob intervenção do Comando de Operações Penitenciárias (COPE), da Polícia Militar, que segue orientação da força-tarefa federal. Ela afirma que os advogados estão sendo proibidos de falar com seus clientes no parlatório, área destinada ao atendimento jurídico do detento.

Como os agentes acompanham todas as conversas armados com fuzis, diz ela, os presos se sentem intimidados a falar. Ela relata que os detentos doentes estão tendo atendimento médico negado e que, quando pedem medicamento, recebem jatos de spray de pimenta.

— Eles têm medo de falar dentro do presídio para os advogados. Pedem pra gente nunca abandonar. Tem preso que tentou se matar. Tem preso que está ficando louco da cabeça —diz.

Diante das denúncias, o Ministério Público Federal (MPF) entrou com uma ação de improbidade administrativa assinada por 17 dos 28 procuradores da República que atuam no Pará, como revelou O GLOBO. O documento aponta práticas de tortura, como a perfuração dos pés dos presos por pregos, em presídios que passaram a ser controlados pela força-tarefa autorizada pelo Ministério da Justiça.

A pedido do MPF, o juiz federal Jorge Ferraz de Oliveira Junior, da 5ª Vara da Seção Judiciária do Pará, decidiu pelo afastamento cautelar do coordenador da Força-Tarefa de Intervenção Penitenciária (FTIP) no Pará, Maycon Cesar Rottava.

Perda de peso

O Ministério da Justiça defende a atuação dos agentes e diz que os casos de tortura carecem de comprovação. Ontem, em uma rede social, o ministro Sergio Moro disse que, “se houver comprovação de tortura ou maus-tratos, os responsáveis serão punidos”. Moro ressaltou que a força-tarefa está realizando um “bom trabalho”. Na segunda-feira, em Ananindeua (PA), o ministro disse que viu “mal-entendido” na ação movida pelo MPF.

— Acho que as bases que levaram à propositura desta ação não estão corretas — disse Moro, segundo a pasta.

Também sob a condição de anonimato, uma outra mulher de preso conta que não reconheceu seu marido na última visita, em 27 de setembro. Pelas contas dela, em 55 dias ele perdeu mais de 30 quilos. Preso na Cadeia Pública de Jovens e Adultos, no Complexo Penitenciário de Americano, em Santa Izabel do Pará, seu marido relatou que a comida estava quase sempre estragada e que os detentos têm diarreias recorrentes:

— Ele chegou de cabeça baixa, andando como um robô, com a pele em cima do osso. A pele estava esverdeada. Os olhos, muito fundos. O rosto bem chupado. Estava com diarreia, coceira, por causa da micose, e com furúnculos por todo o corpo. Ele disse que a alimentação chega azeda, mas precisam comer porque estão fracos.