O Globo, n. 31540, 14/12/2019. Opinião, p. 2

PEC paralela entrou em um desvio



A ideia do lançamento da emenda à Constituição específica para permitir que estados e municípios também façam suas reformas previdenciárias parecia salvadora. Na Câmara, devido a interesses políticos regionais, deputados não estavam, nem estão, dispostos a ajudar eventuais adversários no poder em estados e municípios, por sinal onde haverá eleição no ano que vem. Daí a resistência a estender a toda a Federação a reforma do INSS e da seguridade dos servidores federais. Já esta PEC, batizada de "paralela", transitaria à parte, sem prejudicar o andamento da reforma maior.

Sua tramitação começou pelo Senado, onde foi aprovada, e chega à Câmara para a fase final de votação, também em dois turnos. Mas o que seria uma fórmula engenhosa foi convertida numa plataforma para grupos políticos contrários à própria reforma da Previdência. A PEC paralela passou a ser usada em sentido contrário ao das mudanças, que é frear o crescimento dos gastos na seguridade.

A PEC, então, terminou sendo ornamentada com vários penduricalhos que precisam ser eliminados na Câmara dos Deputados. É uma prática deletéria no Legislativo usar projetos de lei e MPs como barriga de aluguel a serviço de lobbies e de grupos de pressão diversos. Quando isso ocorre numa PEC sobre um tema estratégico, o caso ganha a dimensão de escândalo.

Houve contrabandos diversos. Alteraram até o período de transição para efeito do cálculo da aposentadoria. Foi suavizada também a transição para o caso de mulheres que se aposentam por idade. Em um ato de grande benemerência, mas inapropriado para a conjuntura, criou-se um benefício universal para as crianças pobres. E a pensão por morte para menores de 18 anos de idade passou de 10% do benefício para 20%.

Há mais. Além de lobbies da área de segurança terem se aproveitado da PEC, ficou estabelecido no projeto que estados que replicarem a reforma feita pela União ficarão livres de qualquer penalização se suas previdências entrarem em déficit. Cria-se assim uma anistia prévia no campo fiscal.

A tramitação da PEC paralela no Senado terminou contaminada por aquela conhecida e errada percepção de que o Tesouro tem capacidade ilimitada para gerar dinheiro. Quer dizer, os déficits que são acumulados nas contas públicas há cinco anos consecutivos não são levados a sério.

Há a intenção na Câmara de retirar todos os penduricalhos, para que a proposta da emenda volte a ser um instrumento que facilite governadores e prefeitos a aprovarem suas reformas, nas respectivas Casas legislativas, por meio de projeto de lei ordinária. Este é o caminho. Não é possível que a grave crise no sistema de seguridade de estados e municípios seja usada em manobras de lobistas, como aconteceu no Senado com a PEC paralela.