O Estado de S. Paulo, n. 46880, 23/02/2022. Economia & Negócios, p. B2

Análise: A crise na Ucrânia vai muito além da economia para o Brasil

Sergio Vale 


Em artigo para o New York Times , em 1997, o lendário diplomata americano George Kennan indicou que seria um erro fatal expandir a Otan, o que só faria aumentar o nacionalismo e o espírito antiocidental dos russos. Dito e feito: décadas depois, a previsão de Kennan se mostra correta, não sem a própria ajuda da Rússia, que em um ímpeto expansionista atiçou ainda mais o nacionalismo da ex-república soviética, especialmente depois dos ataques na Geórgia e da anexação da Crimeia. O que o Brasil tem a ver com essa história?

A Ucrânia é importante produtor de commodities, como milho e trigo, sendo o quarto maior exportador do primeiro. Além disso, o efeito no preço do gás natural tem sido evidente, ajudando a pressionar também o mercado de petróleo, que se aproxima rapidamente de US$ 100 o barril. Assim, para nós há o efeito positivo de preços de commodities mais elevados, com o agravante que no caso do petróleo manterá a pressão sobre os combustíveis nas próximas semanas. Será inevitável algum repasse adicional da Petrobras para os preços, mas também a pressão para que o Congresso dê alguma resposta, como alguma versão da PEC dos Combustíveis. O efeito da Ucrânia, nesse sentido, pode ser bastante negativo ao acelerar medidas de quedas artificiais de preços de combustíveis que, pelos custos fiscais, acabem piorando o cenário, com aumento do risco levando a mais depreciação do câmbio e aumento dos juros.

Para além da economia, a diplomacia brasileira terá de ter cautela. Se a Rússia não é nosso foco de atenção, a China e os EUA são e, nesse caso, o conflito ucraniano tem servido de teste de força entre o mundo multipolar que está sendo construído. O Brasil não tem mostrado habilidade em navegar nesses mares turbulentos como fazia no passado, muito fruto dos desgastes causados pelo governo Bolsonaro com China, Europa e EUA. O desafio para o Brasil nesse novo mundo que começa a surgir demandará esforços tanto econômicos quanto diplomáticos, em grau acima do que estávamos acostumados nas últimas décadas. 

Economista-Chefe da MB Associados