O Globo, n. 31540, 14/12/2019. País, p. 6

Em ano eleitoral: a caneta legislativa
Manoel Ventura
Bruno Góes
Gustavo Maia


Com medidas como a ampliação das emendas obrigatórias, Congresso expandiu sua autonomias obre o Orçamento federal. Executivo gastará R $20 bilhões com emendas parlamentares em 2020,46% a maisque este ano.

Diante de um governo sem base sólida no Congresso, deputados e senadores conseguiram, a partir da aprovação de propostas este ano, aumentar o controle do Legislativo sobre o Orçamento federal. Entre as medidas, está a execução obrigatória de quatro tipos de emendas parlamentares para o ano que vem, quando o Executivo deverá desembolsar cerca de R$ 20 bilhões só para este fim, o que representa alta de 46% em relação a 2019 (R$ 13,7 bilhões) e de 51% frente a 2018 (R$ 13,2 bilhões). Além das emendas individuais, de autoria de cada parlamentar, passarão a ter execução obrigatória as de bancada, do relator do Orçamento e de comissões (veja o quadro ao lado) .O Congresso ainda alterou as regras para destinação do recurso às suas bases eleitorais. Em 2020, o próprio parlamentar terá direito de escolher a prioridade na execução dos projetos associadas às suas emendas, o que antes era prerrogativa do Executivo. Essa possibilidade criou polêmica no governo federal e não contou com apoio da equipe econômica.

Além disso, uma emenda à Constituição permitiu ao parlamentar enviar o recurso diretamente ao município, sem intermediação da Caixa Econômica Federal, ou de qualquer outro órgão, e sem ter projeto específico. O prefeito gastará o recurso como quiser, desde que destine pelo menos 70% da transferência para investimento. Será um dinheiro a mais em ano de eleições municipais.

A primeira derrota do governo em 2019 ocorreu quando o Congresso tornou o Orçamento da União impositivo, em junho. Isso obriga a execução de emendas de bancadas estaduais a partir de 2020. O presidente Jair Bolsonaro, sempre quando perguntado sobre o assunto, afirma que não há problema sobre as mudanças legislativas e que é preciso dar independência ao Parlamento. As medidas, no entanto, provocam desconforto na equipe econômica.

Currais eleitorais

No início do mês, o ministro da Economia, Paulo Guedes, negou-se a assinar um projeto enviado pelo governo, fruto de um acordo político que dava ao parlamentar o direito de indicar prioridade para a execução de suas emendas. Esse trecho havia sido até vetado na versão inicial da Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO). O projeto chegou ao Congresso apenas com a assinatura do ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos.

Guedes tem como discurso a defesa de desvinculação dos recursos públicos porque, hoje, 94% das despesas totais são obrigatórias. O ministro também quer dar mais controle para a classe política na gestão do Orçamento.

— Usaram como argumento a fala do Guedes. Só que, ao mesmo tempo, essa legislação é contrária à ideia

do ministro de tornar o orçamento mais flexível. Pelo contrário, agora o Congresso tem mais voz, mas está mais rígido para o governo do que já era — disse Fábio Klein, da Tendências Consultoria.

Técnicos ouvidos pelo GLOBO avaliam que será mais difícil fazer e executar o Orçamento a partir de agora. Para Gil Castello Branco, da ONG Contas Abertas, as emendas são feitas muitas vezes com a intenção de beneficiar os currais eleitorais: —Estão conseguindo colocar o Executivo na seguinte posição: paga ou paga. Não tem muito o que fazer. O que o Executivo tem feito é liberar a conta-gotas às vésperas dos momentos em que ele precisa ter um bom relacionamento com o Congresso. Ramos foi pressionado no último mês pela liberação de emendas para este ano. Segundo parlamentares do centrão, o recurso foi destinado a "conta-gotas". Desde que o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, prometeu R$ 20 milhões até o fim do ano a cada deputado para turbinar a votação da reforma da Previdência, o clima de insatisfação aumentou. Sobre o gasto elevado para emendas em 2020, os parlamentares buscam elaborar uma defesa técnica. Argumentam que as alterações legislativas não impedem o governo de atuar no sentido de conter déficits.

Relator de projeto de trânsito não cede a Bolsonaro

Relator do projeto do governo que flexibiliza regras do Código de Trânsito Brasileiro, o deputado federal Juscelino Filho (DEMMA) apresentou ontem uma nova versão de seu parecer à comissão especial que analisa a matéria, mas não atendeu ao pedido do presidente Jair Bolsonaro de retomar a proposta original sobre número de pontos para cassação e prazo de renovação da Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Questionado sobre o novo parecer do relator, Bolsonaro comentou que o parlamentar "complicou tudo".

— O espírito é facilitar a vida dos condutores — lamentou, em mensagem enviada ao GLOBO. Juscelino Filho acolheu, no entanto, algumas sugestões de mudanças de integrantes do colegiado e incluiu no texto a criação do programa CNH Social, destinado a custear a obtenção de documento ou mudança de categoria para membro de família com renda mensal bruta total de até dois salários mínimos ou renda per capita inferior a meio salário mínimo. Anteontem, O GLOBO revelou que Bolsonaro passou a atuar para tentar evitar a mudança do texto, telefonando para o relator e pedindo que o deputado mantivesse o que chamou de a "alma do projeto".

No novo relatório, porém, o deputado não retirou a escala com três limites de pontuação para a suspensão da carteira, regra diferente do texto original de Bolsonaro, que previa aumento de 20 para 40 no limite de pontos. Pela proposta de Juscelino Filho a suspensão ocorre com: 20 pontos, se houver duas ou mais infrações gravíssimas; 30, com apenas uma infração gravíssima; ou 40, sem nenhuma infração gravíssima. O relator também manteve sua proposta para a ampliação do prazo para renovação da CNH. O parecer estabelece um escalonamento, iniciado com dez anos para renovação de quem tiver até 40 anos de idade, com exceção dos motoristas profissionais das categorias C, D e E. Para estes o prazo será de cinco anos, assim como os condutores de 40 a 70 anos. A partir desta marca, a validade será de três anos.