O Globo, n.31.623, 06/03/2020. Sociedade. p.26

Transmissão local no Brasil
André de Souza 

 

O Brasil chegou ontem a oito casos confirmados do novo coronavírus, incluindo os primeiros no Rio de Janeiro (em Barra Mansa, no Sul Fluminense) e no Espírito Santo (na Grande Vitória). O Ministério da Saúde também confirmou outros dois positivos em São Paulo — que já soma seis —, que se contaminaram sem ter estado no exterior, o que significa que o vírus (Sars-CoV-2) já está sendo transmitido internamente.

As duas novas pacientes paulistas são a irmã e a sobrinha do primeiro caso confirmado no país, um homem de 61 anos que tinha viajado para a Itália, segundo informou ao site G1 o infectologista David Uip, que coordena comitê de contingenciamento em São Paulo.

— O caso número um tem a sua irmã e a filha da irmã, portanto a sobrinha, positivas e sintomáticas. Então, provavelmente se contaminaram naquele almoço (que

o homem deu ao retornar) e, por apresentarem sintomas, fizeram os exames que nós acabamos de saber que são positivos —disse Uip.

O secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Wanderson de Oliveira, projetou que, no inverno, o Brasil poderá ter transmissão comunitária, ou seja, sustentada.

—Possivelmente será no inverno, porque, à medida em que tenho mais casos ocorrendo, chegando ao Brasil, eu vou tendo a possibilidade de ter transmissão comunitária.

Um possível nono caso, o de uma mulher do Distrito Federal, ainda depende de contraprova, que será feita hoje pelo Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo. Segundo o Ministério da Saúde, ela viajou para o Reino Unido e para a Suíça e manifestou sintomas ainda no exterior.

De acordo com a Secretaria de Saúde do DF, a paciente tem 52 anos e foi internada em uma UTI, embora já tenha melhorado das complicações iniciais que teve.

Ela também teve febre e tosse e estava em um hospital particular, mas deveria ser transferida ainda na noite de ontem para o hospital público de referência para o novo coronavírus em Brasília. Duas pessoas próximas a ela estão em isolamento domiciliar.

PRIMEIRO CASO FLUMINENSE

A primeira paciente confirmada com Covid-19 — nome da doença causada pelo novo coronavírus — no Rio de Janeiro é uma mulher de 27 anos que mora em Barra Mansa e viajou com o marido para a Itália (na Lombardia, região mais atingida pelo surto no país), Alemanha e Portugal entre 9 e 23 de fevereiro.

De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde de Barra Mansa, os primeiros sintomas (tosse e coriza) surgiram no dia 17 —durante a viagem —, e a mulher foi medicada no dia 20, em Portugal, com anti-inflamatório. O quadro não se manteve até o voo de volta.

A paciente deu entrada com sintomas na Santa Casa de Barra Mansa no domingo, 1º de março, e, no dia seguinte, realizou a coleta para exames. A Fiocruz confirmou o positivo ontem.

A mulher está em isolamento, em casa. O marido, que não apresentou sintomas, está sendo monitorado, assim como outros familiares. De acordo com o secretário estadual de Saúde, Edmar Santos, a paciente não ficará isolada do marido dentro da casa. Eles só estão orientados a não terem contato direto.

— Ela fica em isolamento de 20 dias após o início dos sintomas. É um protocolo um pouco ampliado. As informações que temos podem mudar ao longo do tempo. A gente ainda vai continuar aprendendo sobre o vírus —disse Santos.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) foi notificada para procurar os passageiros das poltronas próximas às da moradora de Barra Mansa no voo de volta da Itália. Essas pessoas serão contatadas para saber se estão com sintomas e também serão acompanhadas. Os profissionais de saúde que a atenderam em Barra Mansa também estão sendo acompanhados.

Segundo o secretário estadual de Saúde, a população pode ajudar mantendo os hábitos de higiene e etiqueta respiratória, lavando as mãos e se protegendo de outras doenças:

—É importante que não tenhamos sobreposição com outras epidemias. Se alguém quer ajudar, por favor, procure se vacinar contra o sarampo. A campanha continua aberta e será estendida. Evamos abrira da gripe —disse Santos.

—E combatam os criadouros de mosquitos. Com isso, evitarão casos de zika, dengue, e isso ajudará muito em uma eventual epidemia de coronavírus.

ADOLESCENTE SEM SINTOMA

Dos oito casos confirmados no Brasil, sete apresentaram sintomas e estão em isolamento domiciliar. O outro é de uma menina de 13 anos que não teve sintomas, mas cujos testes (prova e contraprova) apontaram a presença do vírus.

Por estar assintomática, o Ministério da Saúde decidiu inicialmente não a incluir na lista de casos confirmados, mas mudou de ideia após reunir-se com especialistas em saúde pública.

A adolescente chegou aficarem isolamento domiciliar, mas já não está mais. Segundo o Ministério da Saúde, a família dela, que também viajou, foi testada, mas o resultado deu negativo para o novo coronavírus.

— Pode ir à escola, vida que segue — disse o secretário de Vigilância em Saúde.

Agarota estuda em um tradicional colégio particular da região Centro-Sul da capital paulista. Em comunicado enviado ontem aos pais, a escola confirmou que a aluna se infectou em uma viagem de carnaval à Itália e não retornou às atividades escolares desde que voltou de viagem —portanto, não teve contato com outros alunos ou colaboradores.

“A família faz questão de reforçar que afilha só voltará às aulas quando tiver alta e não houver mais nenhum risco de contágio”, diz a escola. O período de isolamento domiciliar recomendado aos outros casos de coronavírus em São Paulo é de 14 dias. Segundo especialistas, o vírus pode ser transmitido a outras pessoas mesmo que o paciente não apresente sintomas.

Procurada pelo GLOBO, a escola informou, por meio da assessoria de imprensa, que a rotinado colégio não foi alterada, reforçando que estudantes e funcionários não tiveram contato coma aluna infectada.

Além de concentrara maioria dos casos confirmados, o Estado de São Paulo segue com o maior número de suspeitos —182, dos 636 registrados em 22 estados até ontem. Outras 378 suspeitas já foram descartadas.

Em todo o mundo, a Covid-19 já afetou mais de 96 mil pessoas, das quais mais de 3.300 morreram, a maioria na China. A Coreia doSu léo segundo país com maior númerode casos de coronavírus, com 6.088 confirmações e 42 mortes. O Irã tem 3.513 casos confirmados e 108 mortes.

Fora da China, a doença tem sido mais letal na Itália, país mais afetado na Europa, que registrou a morte de 148 pessoas e confirmou o diagnóstico de 3.858 casos do novo coronavírus.