O Globo, n. 31512, 16/11/2019. País, p. 10

O (suposto) dossiê que derrubou um ‘príncipe’ da chapa presidencial
Bernardo Mello


Em meio à celebração dos 130 anos da Proclamação da República, um descendente da monarquia se envolveu numa guerra de acusações explícitas —e pouco republicanas —nas redes sociais. O deputado federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP), conhecido como “príncipe” por fazer parte da linhagem de D. Pedro II, disse no início da semana ter sido alvo de um dossiê que inviabilizou sua escolha como vice do presidente Jair Bolsonaro em 2018. O general Hamilton Mourão acabou escolhido. Nos últimos quatro dias, os deputados Alexandre Frota (PSDB-SP), Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e o ex-ministro de Bolsonaro Gustavo Bebianno construíram um emaranhado de versões sobre uma suposta suruba gay que teria causado a exclusão do “príncipe” da chapa presidencial. Na terça, Orleans e Bragança disse ao jornal “Folha de S. Paulo” que Bolsonaro manifestou arrependimento por não tê-lo escolhido como seu vice. Após impasses com o então senador Magno Malta (PL-ES), o general Augusto Heleno, hoje ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), e a atual deputada Janaína Paschoal (PSL-SP), Orleans e Bragança era o favorito até o dia da convenção do PSL, em agosto de 2018, quando Mourão foi oficializado. Frota, ex-aliado de Bolsonaro, foi o primeiro a desafiar o presidente a “contar das fotos” que provocaram a mudança de planos. As imagens, segundo Frota, fariam parte de um dossiê sobre o suposto envolvimento de Orleans e Bragança em uma orgia com homossexuais e com gangues que agrediam moradores de rua.

“Nem sei onde faz”

Em áudio enviado a grupos de WhatsApp, o “príncipe” confirmou já ter ouvido sobre o dossiê citado por Frota. Ele, porém, classificou as acusações como mentirosas, justificando que “não sou gay, nem sei onde faz suruba”. Após conversar com Bolsonaro, Orleans e Bragança creditou a Bebianno a origem do dossiê. — Bebianno armou e não queria que eu fosse o vice — argumentou Orleans e Bragança à revista Época. A versão foi desmentida por Bebianno, em vídeo divulgado na quarta-feira. O presidente interino do PSL em 2018 disse que ele mesmo articulou a indicação de Orleans e Bragança, mas que Bolsonaro revelou ter um dossiê, em ligação na madrugada de domingo, horas antes da convenção do PSL. Ainda de acordo com Bebianno, Bolsonaro disse que havia recebido o dossiê contra Orleans e Bragança de um delegado da Polícia Federal e de um coronel do Exército, cujas identidades não foram reveladas. Ex-ministro da Secretaria Geral da Presidência de Bolsonaro, Bebianno acusou o presidente de ter “prazer sórdido em denegrir a imagem das pessoas”. — Acordei atordoado com aquela ligação. Uma história, tão baixa, tão surreal, tão esquisita: “príncipe”, vice-presidência da República, suruba gay — disse Bebianno, que teria sido encarregado de dar a notícia ao “príncipe”. — Tentei ser o mais diplomático que a situação permitia. Falei que ele (Bolsonaro) se sentia mais confortável tendo um colega de farda (Mourão).

Uma terceira versão foi apresentada por Eduardo Bolsonaro. Nas redes sociais, ele acusou Bebianno de ter aspirações à Vice-Presidência e de ter atuado para minar outros nomes. Eduardo disse que ele e seu irmão, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), haviam articulado a indicação de Orleans e Bragança, até seu pai receber “um informe de que o príncipe saía de madrugada a agredir mendigos na rua”. “Mesmo sendo algo estranho, essa nova informação trouxe receio”, disse Eduardo. O deputado não mencionou o suposto envolvimento de Orleans e Bragança em orgias, nem creditou explicitamente a Bebianno a origem do informe. De acordo com Bebianno, Orleans e Bragança sabia do suposto dossiê desde setembro de 2018. O ex-ministro teria contado sua versão ao “príncipe” ao lado de Carlos, em São Paulo, durante a internação de Bolsonaro após sofrer a facada. Carlos, que apagou seus perfis em redes sociais antes da suruba vir à tona, não entrou na guerra de versões.