O Globo, n.31.623, 06/03/2020. Economia. p.19

Ação do BC não segura moeda. Bolsa desaba em dia de pânico
Gustavo Schmitt

Marcello Corrêa

 

O dólar comercial encerrou ontem em alta pelo 12º dia consecutivo, com valorização de 1,57%, a R$ 4,65, um novo recorde —na máxima, atingiu R$ 4,666. Nem as três operações do Banco Central (BC), no total de US$ 3 bilhões, conseguiram conter a moeda. E já há quem não descarte que o dólar chegue a R$ 5 — inclusive o ministro da Economia, Paulo Guedes. Analistas avaliam que a atuação do BC está sendo branda para corrigir as distorções do câmbio e veem uma certa queda de braço entre investidores e a autoridade monetária.

Nos mercados acionários globais, o clima foi de pânico com o avanço do coronavírus. O Ibovespa, principal índice da Bolsa brasileira, caiu 4,65%, aos 102.233 pontos. Em Nova York, o Dow Jones perdeu 3,58%, enquanto o S&P, mais amplo, recuou 3,39%. Londres, Paris e Frankfurt caíram 1,9%, 1,62% e 1,51%, respectivamente.

—O mercado está em pânico. A leitura de muitos investidores é que o coronavírus causará impactos tão graves quanto os da crise de 2008 — disse Alexandre Espirito Santo, economista da Órama.

O chamado risco-país, medido pelo credit default swap

(CDS), saltou 14,4% para 129 pontos. Foi a maior alta desde a divulgação dos áudios entre Joesley Batista e o então presidente Michel Temer, em maio de 2017, quando subiu 29%.

TESTE DE ‘PACIÊNCIA’

No mercado de câmbio brasileiro, o dólar já abriu em alta. O BC leiloou 20 mil contratos de swap cambial (oferta de dólar com compromisso de recompra), no total de US$ 1 bilhão, conforme anunciado na véspera. Surtiu pouco efeito. A autoridade monetária fez, então, mais duas operações, totalizando no dia 60 mil contratos e US$ 3 bilhões.

Para analistas, se o BC quer segurar o câmbio, deveria ter uma atuação mais ampla.

— Quando ocorrem esses choques, se o mercado demanda proteção e ela não vem, o ajuste é no preço — disse Tony Volpon, economista-chefe do banco UBS. —É necessário que o BC preanuncie um determinado volume de swaps por um determinado período. O BC será levado pela situação a fazer isso, uma vez que o coronavírus não vai embora tão cedo.

Flávio Byron, sócio da Gult Investimentos, considera que o mercado está testando o BC para entender qual seria a cotação máxima tolerada:

—Estimava-seque abarreirado dólar era R $4,50. Esse patamar foi rompido, e o BC não atuou. Agora, o mercado testa a autoridade monetária para avaliar qual será o nível de cotação no qual a intervenção será mais forte. O mercado espera que, não de forma declarada, o BC aponte qual seria a barreira psicológica do câmbio suportada por ele.

Segundo André Perfeito, economista-chefe da Necton, o BC precisa comunicar ao mercado o que quer: cortar os juros ou controlar o câmbio.

— Fazer as duas coisas ao mesmo tempo não é possível. O BC já disse mais de uma vez que não tem meta para câmbio, mas o mercado irá testar a paciência do BC forçando o dólar —disse Perfeito.

Caso o BC reduza a taxa básica de juros (Selic) em sua próxima reunião, no dia 18, Byron vê um novo patamar para a moeda:

— Se o cenário de pânico por causa do coronavírus persistir, e com novos cortes na Selic, o dólar tem chances de alcançar o patamar de R$ 5.

Guedes, em reunião com empresários ontem em São Paulo, ao ser perguntado por repórteres se a moeda americana chegaria a R$ 5, não descartou essa hipótese.

REAL PERDE MAIS

Luciano Rostagno, estrategista-chefe do banco Mizuho, defende que os leilões tenham volumes maiores:

—A estratégia inicial do BC de dar previsibilidade a suas intervenções não funcionou. Neste cenário, ele teria duas alternativas. Uma é fazer leilões extraordinários sem aviso prévio e com volume maior de dólar ofertado. Outra é anunciar ao mercado que fará leilões durante um período, seja com dólar subindo ou caindo frente ao real.

Ermínio Lucci, presidente da corretora BCG Liquidez, também avalia que o BC poderia fazer um cronograma de leilão de swaps ,comojá ocorreu antes. Outros instrumentos seriama taxação de posições especulativas em dólar ou a elevação do IOF em operações de câmbio. Lucci admite, porém, que isso afetaria a credibilidade do BC.

Em uma cesta de 21 moedas de países emergentes, compilada pela agência Bloomberg, o real tema maior desvalorização no ano frente ao dólar: 12,15%. Em seguida vêm o rand sul-africano, com 9,68%, e o peso chileno, com 8,66%