O Globo, n. 31473, 08/10/2019. Economia, p. 19

Governo volta atrás em decisão sobre o Carf

Renata Vieira


Depois de ser criticado por especialistas, o Ministério da Economia voltou atrás e revogou ontem a portaria que instituiu o Comitê de Súmulas da Administração Tributária Federal (Cosat), criado no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf ). De acordo com nota distribuída no início da noite pelo Ministério da Economia, será proposta nova norma, que vai prever a participação de representantes dos contribuintes, “de modo a garantir a representatividade efetiva em suas decisões, respeitando a atual composição paritária do Carf.”

Pelo texto anterior, o novo colegiado seria composto pelo presidente do Carf, o secretário especial da Receita Federal e o procurador-geral da Fazenda Nacional — mas não contaria com representação direta dos contribuintes, ou seja, das empresas que recorrem ao Carf. O novo órgão, criado pela MP da Liberdade Econômica, fixará súmulas de questões pacificadas no Carf.

O Carf funciona como um tribunal da Receita Federal, e é a ele que as empresas recorrem das multas que recebem por cometer, no entendimento da Receita, irregularidades tributárias. Já as súmulas são interpretações consolidadas acerca de algum tema, de modo a facilitar a análise de casos semelhantes entre si que chegam ao tribunal do órgão.

Críticas de associações

A decisão anterior do Ministério da Economia havia sido vista como contrária aos princípios previstos na MP da Liberdade Econômica, de melhoria do ambiente de negócios no país. Na avaliação da Associação dos Conselheiros dos Representantes dos Contribuintes no Carf (Aconcarf ), a nova configuração esvaziava o colegiado, até então responsável direto pela aprovação desses entendimentos de caráter vinculante no tribunal.

Segundo a Aconcarf, “apesar de salutar, a ideia de facilitar a criação de novas súmulas terá o efeito de esvaziamento do órgão Pleno do Carf que até então era responsável pela aprovação delas, pois passarão a ser decididas por um novo Comitê, que não contará mais com conselheiros representantes dos contribuintes”. A associação atentava ainda para a figura do “voto de qualidade”, que pode ser dado exclusivamente por representantes da Fazenda Nacional na elaboração de uma súmula.

Unilateralismo

No tribunal, os conselheiros, o secretário especial da Fazenda, procuradores e representantes dos contribuintes podem propor os enunciados, isto é, o conteúdo das súmulas. E a aprovação delas depende de três quintos dessa composição. Na prática, isso impede que só a Fazenda Nacional ou só os contribuintes aprovem algum entendimento de maneira unilateral.

Preocupação semelhante foi manifestada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Distrito Federal. Em nota, a entidade havia afirmado que “a inexistência de previsão quanto à participação dos representantes dos contribuintes no aludido comitê estampa conduta que fere a democracia e os princípios republicanos previstos na Constituição.”

Ainda segundo a OAB, nada impediria que uma súmula rejeitada pelo colegiado do Carf terminasse sendo aprovada pelo novo Comitê, o que criaria uma situação absurda, nas palavras da entidade.