O Globo, n.31.625, 08/03/2020. Sociedade. p.39

Cuidados, sem paranoia
Constança Tatsh 
Rafael Garcia 


 

“Sou idosa de 63 anos, tenho problemas respiratórios crônicos, com medicação de uso contínuo. Estou muito bem, porque me trato, e quero continuar assim.” Foi desta forma que Eliane defendeu, em um site de reclamações do consumidor, a decisão de cancelar uma viagem de cruzeiro por causa do coronavírus. O medo que a Covid-19 desperta entre as pessoas mais velhas não é infundado.

Os casos registrados até agora na China dão um indício claro de que os idosos são a população mais vulnerável. Quando a epidemia atingiu 72.314 casos no país, o Centro de Controle de Doença (CDC) chinês publicou um estudo mostrando que 2,4% dos pacientes acabaram morrendo. Quando considerados pacientes de 70 a 79 anos, porém, a taxa de letalidade subia para 8%, e, entre os infectados com mais de 80 anos, 14,8% dos casos resultaram em morte. Quando feito um levantamento por ocupação, esse risco também fica claro: 8,9% dos aposentados que contraíram o vírus morreram.

DOENÇAS SIMULTÂNEAS

Um fator de risco para agravamento da infecção pelo novo vírus também impacta diretamente os mais velhos: a “comorbidade”, ou, seja, a presença de outras doenças sobrepostas à Covid-19.

—A população mais vulneráve lé aquetem mais de 60, 70, que é a mesma que tem comorbidade. São pessoas que já têm diabetes, hipertensão ou problemas de obstrução respiratória — explica o epidemiologista Alexandre Kalache, de 74 anos, do Centro Internacional de Longevidade, do Rio.

A taxa de letalidade foi de 10,5% entre portadores de doenças cardiovasculares e de 7,3% para diabéticos, por exemplo, doenças com maior prevalência na população idosa, segundo estudo que dois médicos do CDC chinês publicaram no JAMA, o periódico acadêmico da Associação Médica Americana. Uma preocupação em especial são as residências coletivas de idosos. Amissão médica que a Organização Mundial da Saúde enviou à China para estudara epidemia listou em seu relatório três tipos de instalações onde ambientes fechados favoreceram a disseminação do vírus: prisões, hospitais e casas de repouso.

—Masa resposta imediata não deve ser isola ressas residências. É tomara precaução mais básica: lavaras mãos, lavara mãos, lavaras mãos— diz Kalache, que conclui:

—A segunda coisa é, se possível, educaras pessoas mais velhas para também evitar colocar as mãos nas mucosas dos olhos, do nariz, da boca... Como você vai explicar isso para alguém com demência, por exemplo? É complicado.

FORA DOS ASILOS

Segundo Kalache, a preocupação com os idosos do Brasil, porém, não se resume a casas de repouso.

— Só 6% dos municípios têm residências para idosos ou instituições de longa permanência — conta.

— A imensa população idosa carente está vivendo em sociedade, e 83% dos idosos no Brasil dependem do SUS. Eles não têm plano de saúde. Na opinião do epidemiologista, o governo está tomando algumas medidas corretas, como a antecipação da vacinação contra a gripe, mas é preciso ir além, como a imunização contra o pneumococo, uma bactéria oportunista que causa pneumonia nos fragilizados. Kalache está levando a sério a abordagem que defende intensificar as barreiras cotidianas ao vírus, mas sem restringir sua locomoção. Ele mesmo embarca amanhã para a Europa a trabalho.

—Vamos continuar coma vida, tomando precauções, mas sem ficar paranoicos.