O Globo, n.31.625, 08/03/2020. País. p.06

Bolsonaro chama população para manifestações
Naira Trindade
Thais Arbex
Aguirre Talento 


 

Em escala em Boa Vista, a caminho de missão oficial nos Estados Unidos, o presidente Jair Bolsonaro chamou ontem a população a participar de manifestações a favor do governo e afirmou que “quem tem medo de movimento de rua não serve para ser político”. Bolsonaro, porém, refutou que os atos fossem contra o Congresso e o Judiciário.

A declaração do presidente acirrou os ânimos de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e de líderes da Câmara e do Senado, que avaliam retaliações. Originalmente, o alvo das manifestações era o Congresso e o STF. Porém, a repercussão negativa após o presidente compartilhar, no fim do mês passado, via aplicativo de celular, um vídeo sobre os atos o teria influenciado a tentar mudar o viés dos protestos.

— Dia 15 agora, tem um movimento de rua espontâneo e o político que tem medo de movimento de rua não serve para ser político. Então participem, não é um movimento contra o Congresso, contra o Judiciário, é um movimento pró-Brasil. É um movimento que quer mostrar pra todos nós, presidente, Poder Executivo, Poder Legislativo, Poder Judiciário, que quem dá o norte para o Brasil é a população — afirmou ontem Bolsonaro, que divulgou um vídeo com o discurso em suas redes sociais.

O presidente afirmou ainda que o movimento não é contra a democracia:

— Quem disse que é um movimento contra a democracia está mentindo e tem medo de encarar o povo brasileiro.

Os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) ficaram incomodados com o discurso. O GLOBO apurou que Alcolumbre procurou membros do Judiciário para avaliarem juntos um posicionamento dos dois Poderes. No fim da tarde de ontem, porém, tanto Alcolumbre como Maia concordaram que, às vésperas dos atos, a melhor estratégia é evitar declarações públicas e atuar nos bastidores pela pacificação. Mas ninguém descarta uma “revanche”.

OBJETIVOS

Segundo interlocutores do Palácio do Planalto, a declaração do presidente teve dois objetivos: evitar que o Congresso se fortaleça mediante uma manifestação eventualmente esvaziada e reagir às críticas de Maia. Durante evento do Instituto Fernando Henrique Cardoso, na última sexta-feira, em São Paulo, o presidente da Câmara afirmou que o entorno do governo tem estrutura para “viralizar o ódio” por meio de fake news e que Bolsonaro afasta investidores ao gerar incertezas sobre seus compromissos com a democracia e com o meio ambiente.

Na avaliação de políticos, ao chamar para as manifestações, o presidente assumiu publicamente aquilo que negara anteriormente. Quando suas mensagens compartilhando vídeos em favor das manifestações foram vazadas, Bolsonaro negou a convocação e disse que tinha apenas compartilhado o material em grupos restritos de amigos. Desde que o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, chamou parlamentares de “chantagistas”, como revelou o GLOBO, em meio a negociações sobre a execução do Orçamento da União, a tensão entre os dois Poderes aumentou. No evento de ontem, Heleno também discursou e afirmou que o governo tem sido alvo de retaliações por estar atuando contra a corrupção:

— A rede de corrupção que se criou nesse país, que está sendo desbaratada por esse governo, tem prejudicado planos espúrios de muita gente.