O Estado de S. Paulo, n. 46875, 18/02/2022. Política, p. A12

A Polícia Federal sobe no palanque


 

As evidências da captura de instituições de Estado pelo bolsonarismo são atualizadas com frequência diária, mas um novo patamar é atingido quando a Polícia Federal (PF) se presta ao papel de participar ativamente da campanha eleitoral do presidente Jair Bolsonaro. Não há outra interpretação possível sobre a intenção da nota oficial divulgada nesta semana pela PF, em resposta às críticas do ex-juiz Sérgio Moro, segundo as quais ninguém combate a corrupção na gestão Jair Bolsonaro.

Para justificar seu ponto, Moro mencionou a proximidade entre o governo e o Centrão e o ingresso do presidente no PL, partido associado ao mensalão, e questionou, ironicamente, se alguém na Procuradoria-Geral da República (PGR) e na Polícia Federal estava acompanhando algum escândalo. Segundo ele, “muita coisa vai aparecer” quando esses órgãos retomarem a autonomia.

As críticas de Moro são perfeitamente normais em uma campanha eleitoral. Já a reação da PF foi absolutamente inadequada, e seu único propósito parece ser o de servir como peça de propaganda de Bolsonaro contra seu ex-ministro e atual concorrente. “Moro desconhece a Polícia Federal e negou conhecê-la quando teve a chance. Enquanto ministro da Justiça não participou dos principais debates que envolviam assuntos de interesse da PF e de seus servidores”, diz o comunicado, uma referência esquisita ao fato de que o então ministro supostamente não atuou como sindicalista na defesa dos interesses da corporação na reforma da Previdência. “O ex-juiz confunde, de forma deliberada, as funções da PF. O papel da corporação não é produzir espetáculos. O dever da polícia é conduzir investigações, desconectadas de interesses político-partidários.”

Pré-candidato do Podemos à Presidência, Moro apresenta como credenciais seu papel na Operação Lava Jato, reivindicando a liderança no combate à corrupção – combate que, segundo diz, foi abandonado por Bolsonaro a despeito de suas promessas de campanha. Ademais, Moro tenta explorar na campanha o fato de que decidiu deixar o governo Bolsonaro depois que, segundo alega, ficou claro que o presidente pretendia interferir na Polícia Federal.

Não é preciso concordar com Moro para aceitar a legitimidade de sua estratégia eleitoral. Cabe a seus adversários na disputa responderem às suas críticas, se assim desejarem, pois é desse modo que se faz campanha política para tentar ganhar votos. Quem não deveria entrar nessa discussão, típica de palanque, é a Polícia Federal. Além disso, a PF apenas deu mais uma chance a Moro, na tréplica, de acusá-la de prender apenas “bagrinhos da corrupção”, e não “grandes tubarões”.

A nota da PF contra Moro, numa típica homenagem que o vício presta à virtude, enfatiza que é uma “instituição de Estado” e, como tal, “mantém-se firme no combate ao crime organizado e à corrupção e não deve ser usada como trampolim para projetos eleitorais”. Faria bem à direção-geral do órgão seguir sua própria recomendação em vez de atuar como arremedo de cabo eleitoral do presidente.