O Globo, n.31.626, 09/03/2020. Mundo. p.18

Elogios sem promessas no encontro com Trump
Paola de La Orte 
Janaína Figueiredo 


 

Um ganho político, sem benefícios econômicos concretos, foi o resultado do encontro entre os presidentes do Brasil, Jair Bolsonaro, e dos Estados Unidos, Donald Trump, no sábado à noite no resort Mara-Lago, propriedade do chefe de Estado americano em Palm Beach, na Flórida. O jantar, no qual Bolsonaro obteve sua quarta foto com Trump em pouco mais de um ano de governo, marcou o início da visita do quatro dias aos EUA.

No encontro de sábado os presidentes discutiram assuntos que preocupam os dois governos, como a situação política na Venezuela e Bolívia. Ontem, foi selado um acordo na área de Defesa que abrirá às empresas brasileiras do setor um eventual acesso a um fundo local de US$ 100 bilhões. Porém, na hora de se comprometer a não aplicar mais sobretaxas a produtos brasileiros, nos moldes das medidas implementadas em 2018 e 2019 contra as importações de aço e alumínio, Trump respondeu que faria não promessas.

BOA RELAÇÃO

Ambos presidentes trocaram elogios e declarações de afeto.

—Temos um relacionamento muito bom. A amizade provavelmente está mais forte agora do que nunca — disse o presidente americano.

Para Bolsonaro, a visita a Trump fortaleceu uma parceria considerada essencial por seu governo e seguidores. Em matéria de política externa, EUA e Israel são vistos como os principais sócios do Brasil no mundo e a relação com Trump é tratada como prioridade número um pelo Palácio do Planalto e pelo Itamaraty.

Mesmo sem ter conseguido, ainda, que essa parceria renda grandes frutos econômicos, o presidente brasileiro comemora cada reunião com Trump e no sábado disse que era uma honra para ele e para o país estar lá. “Tenho certeza que num futuro próximo vai ser muito bom contar com um bom relacionamento de direita”, declarou.

Na visão de diplomatas de longa trajetória como Roberto Abdenur, ex-embaixador do Brasil nos EUA, o encontro marcou pontos positivos mas, também, “aprofunda a subordinação da política externa brasileira”. O ponto positivo seria a assinatura do Acordo de Pesquisa, Desenvolvimento, Teste e Avaliação (RDT&E). Abdenur, porém, fez uma ressalva ao lembrar que o entendimento é consequência natural de outros acordos já assinados na área.

— É um desdobramento de todo o ciclo de entendimentos práticos na área de cooperação militar, que precede inclusive o governo Bolsonaro — avaliou o embaixador.

— Isso é um acordo de alcance técnico. É um avanço, acho positivo, coisa boa. Mas não cabe magnificar —acrescentou.

No encontro em Mar-a-Lago também foram dados os primeiros passos para trabalhar em conjunto num pacote comercial bilateral. Não se falou, ainda, em negociação de um entendimento de livre comércio, embora esse seja, como confirmaram fontes do governo brasileiro, um importante objetivo da equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes. A ideia original é uma negociação entre Mercosul e EUA. Caso não exista consenso dentro do bloco, principalmente com a Argentina do peronista Alberto Fernández, o Brasil não descarta avançar sozinho. Mas esse cenário ainda parece distante.

Bolsonaro obteve uma nova foto com seu ídolo americano, algo sempre bem recebido por seus apoiadores. Já seus críticos, incluídos embaixadores veteranos como Abdenur, questionaram a confirmação de uma “posição subalterna” do Brasil em relação aos EUA.

O acordo na Defesa, selado numa visita do presidente e sua comitiva ao Comando Sul dos EUA, foi festejado por autoridades de ambos os países, mas as oportunidades em matéria econômica ainda não estão claras. No Comando Sul, o presidente reuniu-se com o chefe do comando, o almirante da Marinha dos EUA, Craig Faller. Após a reunião, o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, assegurou que se trata de “um acordo inédito, que poucos países têm”.

CLIMA AMISTOSO

O clima do encontro foi amistoso. Além da foto, Bolsonaro recebeu vários elogios do presidente americano. Trump disse que o chefe de Estado brasileiro estava fazendo um trabalho fantástico e que “o Brasil o ama, e os Estados Unidos também o amam”. Bolsonaro respondeu que havia se inspirado em algumas coisas de Trump, o que levou o americano a dizer que “dei um presente para Bolsonaro”.

— Um cara muito especial. Acabou se tornando um grande amigo meu... Nós não cobramos tarifas sobre algumas coisas dele. Nós o tornamos muito mais popular — declarou o presidente americano.

Em comunicado conjunto, o Planalto e a Casa Branca disseram que os presidentes reafirmaram seu apoio mútuo à “democracia na região” —incluindo o endosso dos países ao líder opositor venezuelano Juan Guaidó, considerado o presidente da Venezuela por cerca de 50 países, e esforços conjuntos para “restaurar a ordem constitucional” naquele país.

O documento também afirma que foi discutido o apoio “aos esforços do governo interino da Bolívia para conduzir eleições livres e justas”, previstas para o próximo dia 5 de maio. O pleito foi marcado após a crise nas eleições de outubro que culminou na renúncia do ex-presidente Evo Morales (2006-2019), sob forte pressão militar. Segundo o comunicado, Bolsonaro também teria elogiado a visão americana para paz no Oriente Médio, cujo plano foi anunciado no final de janeiro sob críticas de ser favorável a Israel.

ELOGIOS NO TWITTER

Na mesa de jantar, estavam sentados ao lado dos presidentes a assessora e filha de Trump, Ivanka Trump, o genro, Jared Kushner, o conselheiro de Segurança Nacional, Robert O’Brien, o presidente da Corporação Internacional para o Desenvolvimento das Finanças dos Estados Unidos, Adam

Boehler, e o diretor para Hemisfério Ocidental do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, Mauricio Claver-Carone. Do lado brasileiro, estavam o chanceler Ernesto Araújo, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), o ministro da Defesa, Fernando de Azevedo e Silva, e o chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno.

O advogado do presidente americano, Rudy Giuliani, que também esteve presente no encontro, postou em seu Twitter uma foto ao lado de Bolsonaro, chamando-o “de um herói que quase foi assassinado pouco antes de sua eleição, e que está trabalhando incansavelmente para reformar o Brasil e por um fim à corrupção”.