O Estado de S. Paulo, n. 46874, 17/02/2022. Notas & Informações, p. A3

O emergente que não emerge


 

Mais que suficiente para tirar o País do buraco onde afundou 3,9% em 2020, o crescimento econômico do Brasil chegou a 4,7% no ano passado, segundo o Monitor do PIB – FGV, a mais detalhada prévia mensal das contas nacionais. Publicada na semana anterior, a prévia do Banco Central apontou uma expansão de 4,5%. Os dados oficiais do Produto Interno Bruto (PIB) devem ser divulgados no dia 4 de março pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Se os 4,7% forem confirmados, o ritmo anual de avanço a partir de 2017, primeiro ano depois da última grande recessão, terá sido, em média, inferior a 1,5% – um desempenho espantosamente baixo para um país classificado como emergente.

Além de exibir uma economia emperrada, o Brasil empobreceu nos últimos anos. Os mais abonados podem ter engordado suas contas, mas a visão do conjunto ficou bem mais feia. Somadas todas as classes, a população tem aumentado mais que o bolo disponível para os convivas. Cada fatia teria diminuído, se houvesse uma divisão igualitária.

O PIB por habitante em 2021 foi estimado em R$ 40.712,42. Descontada a inflação, esse valor foi menor que os de 2019, 2018 e de todos os anos entre 2010 e 2015. Em 2010, cada pedaço equivaleria a R$ 42.348,22. Mas, de fato, as condições evoluíram de formas muito desiguais para os diversos grupos. Com a atividade em marcha lenta, o desemprego se manteve muito alto e as condições de trabalho se tornaram dramáticas. Com dinheiro escasso para os mais vulneráveis, a insegurança alimentar passou a assombrar milhões de famílias, embora sempre tenha havido comida suficiente para todos os brasileiros e para os consumidores de vários outros países.

Embora cada fatia ainda tenha sido menor que em 2019, o bolo cresceu o suficiente, em 2021, para ultrapassar por 0,6% o valor total do ano anterior à pandemia. Todos os grandes setores avançaram no ano passado. Houve aumento de 0,6% na produção agropecuária, de 4,4% na industrial e de 4,7% na de serviços.

A recuperação nos serviços foi possibilitada pela vacinação, como observou o economista Claudio Considera, coordenador do Monitor do PIB. Essa retomada, pode-se acrescentar, teria sido mais difícil se o presidente Jair Bolsonaro tivesse tido maior sucesso em seu esforço para retardar e para desestimular o uso da vacina. Esse esforço incluiu, numa etapa recente, a divulgação de notícia falsa sobre relação entre o imunizante e o HIV. O presidente e o ministro da Saúde também insinuaram dúvidas quanto à conveniência de vacinar crianças e adolescentes contra o coronavírus, embora a segurança e a eficácia já fossem atestadas pela experiência de países desenvolvidos.

Apesar da política bolsonariana, dos tropeços da equipe econômica e da insegurança causada pelas barganhas eleitoreiras, os negócios tiveram alguma recuperação no ano passado. Mas nenhuma ação organizada se iniciou, até agora, para reverter o prolongado declínio do setor industrial, uma das marcas mais preocupantes da economia brasileira no último decênio.

Em sete dos dez anos de 2012 a 2021, a variação do produto industrial foi negativa. Em seis desses dez anos houve declínio da indústria de transformação, na qual se incluem os segmentos de veículos, equipamentos, móveis, bens eletroeletrônicos, tecidos, vestuário, calçados, medicamentos e artigos de higiene e limpeza, entre outros.

Além de encolher, a atividade industrial modernizou-se bem menos do que em outros países, foi deficiente em inovação, tornou-se menos competitiva e perdeu peso nas exportações de mercadorias. Algumas empresas, grupos e segmentos continuaram a progredir, mas isso pouco altera o desempenho geral. Não é exagero falar de uma desindustrialização do Brasil, um evidente retrocesso histórico, nem de longe revertido pela retomada setorial em 2021.

Examinado o conjunto, nada, no Monitor, autoriza prever para 2022 um desempenho econômico melhor que o estimado até agora pelo mercado – aumento do PIB dificilmente superior a 0,5%, com inflação e desemprego ainda altos.