O Globo, n.31.629, 12/03/2020. Sociedade. p.36

Letal para o sistema de saúde
André de Souza
Isabella Macedo


 

No dia em que a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou que o novo coronavírus (Sars-CoV-2) está causando uma pandemia, atingindo 120 países, o número de casos confirmados no Brasil quase dobrou, chegando a 69—46 deles em São Paulo, 13 no Rio e os demais em seis estados —, e o Ministério da Saúde afirmou que espera um “crescimento abrupto” do contágio em algumas semanas.

O impacto disso, segundo o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, será menor nos pacientes atingidos pelo vírus —já que sua letalidade é baixa, e cer cade 80% dos contaminados não têm sintomas graves—do que no sistema de saúde do país, que já opera no limite de sua capacidade e pode ser sobrecarregado.

— O vírus é extremamente duro, ele derruba o sistema de saúde. Se ele não tem uma letalidade individual elevada, ele tem uma letalidade ao sistema de saúde — disse o ministro, durante audiência na Câmara dos Deputados.

Em reunião convocada às pressas com a cúpula do Congresso, ministros e parlamentares, na noite de ontem, Mandetta disse que a pasta trabalha com o cenário de “transmissão sustentada” — quando não é mais possível rastrear a origem do vírus — na próxima semana.

—Nenhuma das pessoas do mundo tem imunidade prévia contra esse vírus. Na semana que vem, a gente já trabalha com o conceito de transmissão sustentada, já começa com pequenos surtos, pequenos inícios de redemoinho —disse o ministro.

No encontro, Mandetta demonstrou especial preocupação com São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.

— O Rio é uma cidade de complicadíssimo cenário urbanístico. Nós temos uma quantidade enorme de pessoas em áreas de exclusão social, temos uma rede de saúde mais frágil. São Paulo tem mais musculatura, mas ambas sofrerão muito. A (capital) de Minas também.

Em reação à piora do cenário nacional, o ministro anunciou uma série de medidas — entre elas a contratação de 5.000 médicos e de mil leitos extras de UTI— e disse estar negociando com o Congresso a liberação de R$ 5,1 bilhões, via emendas parlamentares, para serem gastos no enfrentamento à Covid-19.

A ideia de Mandetta é fazer um primeiro repasse de cerca de R$ 200 milhões, ou R$ 1 por brasileiro, para uso emergencial, proporcional à população de cada estado. Depois, liberaria novos recursos de acordo com a demanda.

—Quero fazer um repasse universal per capita, para que cada um possa tomar suas medidas iniciais e, caso a caso, ir construindo um período que calculamos de três a quatro meses de estresse —disse Mandetta.

CRÍTICAS ÀS REDES DE SAÚDE

O ministro disse que tem conversado com os secretários de saúde dos estados e municípios e com os hospitais, para que estejam preparados, e fez críticas tanto à rede privada quanto à pública.

Citou, como exemplo, o hospital particular que pediu ao governo do Distrito Federal a transferência da paciente com o novo coronavírus:

—Vergonha um hospital privado falar: eu não tenho condições de tratar uma pneumonia. Não merecia nem ter a placa de hospital, porque pneumonia é uma patologia universal, e os cuidados estão muito bem determinados.

Depois, disse que usou esse episódio para pedir medidas à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS):

— A agência baixou uma resolução para que todos os planos de saúde façam a cobertura nos casos de necessidade de exame e de internação. Toda a rede privada deve, neste momento, fazer seu cenário e se preparar. Eles têm 50 milhões de pessoas com plano de saúde no país.

Mandetta reclamou também dos planos de contingência feitos por alguns estados para enfrentara doença.

—Orientamos todos os secretários de saúde. Organizem as suas redes hospitalares. O momento é de rever os planos de contingência. Tem estado que fez “ctrl+c, ctrl+v” (copiar e colar) do que foi feito no H1N1 (gripe suína, em 2009).

O ministro também disse que estuda medidas como recomendar que pessoas acima de 60 anos ou com doenças crônicas evitem contato social, uma vez elas são as mais vulneráveis.

Outra possível medida futura é incentivar horários alternativos no trabalho, inclusive com serviço em casa e reuniões virtuais. Ele afirmou ainda ser necessário disciplinara questão dos atestados médicos e faltas ao trabalho, o que poderia ser feito pelo Congresso.

Em audiência no Senado, o secretário-executivo da Saúde, João Gabbardo Reis, disse esperar que a Covid-19 tenha no Brasil o mesmo comportamento visto em outros países, com um súbito aumento de casos em poucas semanas, seguido por uma queda nos números, depois de cerca de quatro ou seis semanas de alta.

Principais ações do governo

> Mais Médicos: convocação de 5.000 médicos para preencher vagas na atenção básica de saúde

> Leitos: contratação de mil leitos em Unidade de Terapia Intensiva (UTI)

> Equipamentos: aquisição de 20 milhões de máscaras cirúrgicas e 4 milhões de máscaras N95, além de mais de 17 itens de proteção, ao custo de R$ 150 milhões

> Horário: ampliação do horário de atendimento nas Unidades Básicas de Saúde

> Postos: ampliação de 1.500 para 6.700 postos de saúde, que podem atender 90% dos casos do novo coronavírus > Exames: Agência Nacional de Saúde (ANS) determinou que planos de saúde cubram testes para Covid-19

> Vacina: antecipação da Campanha de Vacinação contra Gripe, para 23 de março

> Laboratório: ampliação da capacidade de vigilância laboratorial, com distribuição de 30 mil kits para testes

> Conselho: Criação de conselho interministerial para coordenar ações dos demais ministérios

> Medicamento: uso do oseltamivir, conhecido pelo nome comercial Tamiflu, no atendimento a doenças respiratórias na Atenção Primária