O Globo, n. 31517, 21/11/2019. Sociedade, p. 23

Sem ação
Renato Grandelle


Em março do ano passado, quando o derramamento de petróleo no litoral da Região Nordeste ainda era uma realidade distante, um grupo interministerial se reuniu no Ministério do Meio Ambiente (MMA) e soou o alerta: se um incidente de óleo ocorresse na costa brasileira, o governo federal não teria verbas, equipamentos ou convênios que agilizariam a resposta à crise ambiental. Os questionamentos, abertos desde então, não foram resolvidos.

O debate ocorreu na terceira reunião do comitê executivo do Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Águas sob Jurisdição Nacional (PNC). No mesmo encontro foi aprovado o manual que nortearia como o governo federal deveria agir em caso de uma crise por derramamento de petróleo. As normas impostas no documento foram violadas pela União.

Os participantes da reunião ressaltaram que dois temas deveriam ser mais discutidos e regulamentados com portaria do MMA: o “ressarcimento” —compensação financeira necessária após incidentes — e “manchas de origem desconhecida”. O modo como lidar com ambos os temas não foi incluído no manual do plano de contingência. E, apesar da recomendação do grupo interministerial, não foram alvo de análise posterior.

Procurado pelo GLOBO, o MMA não se manifestou sobre a falta de novos encontros.

‘EMPURRA-EMPURRA’

Sem as novas discussões e uma regulamentação do ministério, o governo precisou bancar sozinho a investigação e o combate de crises cujo responsável pelo vazamento não é conhecido — caso do desastre atual.

“Não existem quaisquer termos de cooperação, convênios e instrumentos congêneres (...) visando um rápido e eficaz acionamento a ações de resposta a acidentes de origem desconhecida ou aqueles em que o poluidor é omisso ou incapaz de responder”, acrescenta a ata.

O governo federal tampouco poderia contar com recursos de regimes estrangeiros. O país é signatário somente de um acordo ligado ao tema, a Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil por Danos Causados por Poluição por Óleo (CLC-69), que não dá suporte financeiro suficiente para cobrir um incidente de grande envergadura.

— Deveríamos ter um fundo soberano para administrar situações de desastre, formado por petroleiras que atuam no território nacional — sugere o deputado João Campos (PSB-PE), autor de um pedido de CPI na Câmara para investigar o derramamento de óleo no Nordeste. — Se houvesse um vazamento de autor desconhecido, a União usaria esse fundo para combater a crise ambiental. Ele seria ressarcido pela empresa poluidora, após sua identificação.

Gerente do Programa Marinho e Mata Atlântica do WWF-Brasil, Anna Carolina Lobo pondera que, se o Brasil assinasse os acordos internacionais sobre incidentes de óleo, conseguiria pagar os prejuízos ligados à tragédia ambiental sem precisar achar a companhia responsável pelo episódio.

Lobo lembra que, antes do governo Bolsonaro, o país direcionava um percentual ligado à receita do petróleo para ações ambientais, entre elas as voltadas para mudanças climáticas, mas que a verba foi perdida após a reformulação da política ambiental do MMA, que, entre outras mudanças, extinguiu a Secretaria da Mudança do Clima.

— Agora vemos um empurra-empurra e não sabemos que área do governo está pagando o prejuízo. O Grupo de Acompanhamento e Avaliação (GAA), responsável pela gestão da crise, tem órgãos de três ministérios diferentes — sublinha. — Além disso, existem as despesas dos estados, da Petrobras e das ONGs, que têm fornecido equipamentos de proteção para voluntários. Se o governo se empenhasse em implementar o plano de contingência, essas ações seriam centralizadas, e não teríamos óleo em mais de 500 localidades de dez estados.

A Petrobras e a GAA, procuradas pelo GLOBO, não informaram o seu orçamento para o incidente no Nordeste. A Agência Nacional de Petróleo não se pronunciou sobre a possibilidade de um financiamento para criação de um sistema de informação sobre incidentes de poluição por óleo. O programa, segundo a ata, seria integrado ao Sistema Nacional de Emergências Ambientais, plataforma organizada pelo Ibama.

TRATADOS ‘URGENTES’

Para a advogada Ingrid Zanella, presidente da Comissão Especial para Acompanhamento da Poluição por Óleo no Nordeste, o Brasil deveria ter se programado para a crise ambiental, seja para contenção e treinamentos, seja para segurança internacional.

— Acredito que o Brasil deveria ter assinado os tratados, como grande parte dos países que importam ou exportam o óleo. Teríamos acesso agora a um fundo que traria uma segurança financeira, mesmo sem identificar o poluidor — explica. — Que esse caso sirva de alerta de que deveríamos, no mínimo, sair desse desastre com a meta de assinar imediatamente os acordos internacionais.

A reunião também não definiu qual órgão do governo seria responsável pelos recursos necessários para resposta e mitigação dos incidentes, enquanto o poluidor não fosse identificado. A princípio, disseram os participantes, o caixa deveria ser responsabilidade da União, mas essa decisão precisava ser confirmada pelo Ministério do Planejamento. A pasta, porém, não fez a avaliação.

Além das discussões interrompidas e da falta de convênios, a ata demonstra a existência de um frustrado programa de monitoramento preventivo assinado por Ibama e Petrobras. Ambos comprometeram-se, em fevereiro do ano passado, a fazer 80 horas de voos por mês para “detecção e qualificação de incidentes de poluição por óleo no mar e a verificação da qualidade de detecção por radar”.

Ao GLOBO, o Ibama confirmou que o programa teve início em dezembro, sem interrupção desde então. O monitoramento preventivo, porém, não detectou as manchas de óleo se aproximando do litoral brasileiro. A primeira mancha foi avistada na Paraíba, no dia 30 de agosto.