O Globo, n. 31470, 5/10/2019. País, p. 08

Novo decreto abre brecha para compra de fuzis

Leandro Prazeres
Marlen Couto


O decreto editado pelo presidente Jair Bolsonaro no dia 30 de setembro, que alterou procedimentos sobre armas e outros materiais controlados, pode abrir brecha para a compra por cidadãos comuns de alguns modelos de fuzis semiautomáticos. O alerta é do Instituto Sou da Paz e de especialistas ouvidos pelo Globo. O Planalto, no entanto, nega que o texto editado pelo presidente permita apos sede fuzis.

Após ampliara potência das armas liberadas para posse, Bolsonaro havia proibido, em junho, a venda de armas portáteis (transportadas por uma pessoa e manuseadas com as duas mãos) e não-portáteis (tão pesadas que não podem ser transportadas por uma pessoa) a cidadãos comuns. No decreto desta semana, Bolsonaro revogou essa proibição, o que libera a compra de armas longas, como carabinas e espingardas semiautomáticas, e também de fuzis, desde que sejam semi automáticos(uma vez que todas as armas automáticas são de uso restrito), tenham calibres classificados como permitidos pelo Exército e potência de até 1.620 joules, limite definido também por decreto. É ocaso, por exemplo, de fuzis como o Colt AR-15 semiautomático que utiliza o calibre 9 milímetros. José Ricardo Bandeira, presidente do Instituto de Criminalística e Ciências Policiais da América Latina (Inscrim), afirma que a arma tem calibre dentro dos parâmetros liberados pelo Exército e potência de 629 joules. O modelo, no entanto, não é fabricado no Brasil e precisa ser importado. Bandeira diz que os fuzis produzidos hoje no país de fato continuam proibidos, já que têm potência e calibres superiores ao permitido, mas ressalta que o novo decreto pode estimulara fabricação pela indústria nacional de armas adaptadas: — Os fuzis hoje vendidos no Brasil ainda assim estariam proibidos pela regulamentação de calibre do Exército. Por outro lado, a Taurus, por exemplo, poderia adaptar um fuzil que se encaixasse nesse parâmetro.

Em nota, a Secretaria Especial de Comunicação da Presidência afirmou que revogação não permite apos sede fuzis e argumenta que os calibres permitidos“são tecnicamente incompatíveis” coma arma. “Não existe fuzil no calibre 9x19mm”, afirmou. Ao mesmo tempo que abre margem para a compra de fuzis comercializados no exterior, o novo decreto, segundo o presidente Jair Bolsonaro, facilitou a importação por cidadãos comuns. — Nós desburocratizamos o processo (de importação), e quem pode adquirir vai poder importar. Então, você, cidadão comum, você pode comprar uma arma no Brasil, vai poder comprar fora do Brasil — enfatizou Bolsonaro, em uma transmissão pelas redes sociais anteontem, sem detalhar as mudanças.

Consequências

Para Bruno Langeani, do Instituto Sou da Paz, a permissão deverá ter impacto nos índices de violência: — A gente observa que, quanto mais um tipo de arma passa a ser vendida de forma legal, maiores as chances de ela acabar equipando o crime também. Nosso receio é que, se houver mais venda de fuzis de forma legalizada, em algum momento, esse arsenal acabe em mãos erradas. Desde que assumiu a Presidência, Bolsonaro editou oito decretos sobre porte e posse de armas. Dessa lista, quatro foram revogados pelo presidente. Ações de inconstitucionalidade contra as alterações na legislação serão julgadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).