O Estado de S. Paulo, n. 46869, 12/02/2022. Política, p. A12

À PF, general Heleno afirma que recebeu extremistas no Planalto

Weslley Galzo
Rayssa Motta


 

O ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência, general Augusto Heleno, admitiu em depoimento à Polícia Federal que designou um oficial militar para manter contato com grupo extremista acusado de patrocinar atos contra o Supremo Tribunal Federal (STF).

No interrogatório realizado em dezembro, cujo teor só se tornou público agora, com a divulgação de dados do inquérito que investiga ataques a ministros do STF, Heleno disse, ainda, que se reuniu com os extremistas no Palácio do Planalto. Ele tentou minimizar sua atuação, ao declarar à PF que intercedeu porque "vislumbrava possibilidade de conflito" e tentou dissuadir o grupo.

As declarações de Heleno foram colhidas pela delegada da PF Denisse Dias Rosas Ribeiro no inquérito das milícias digitais em curso no Supremo, sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes. As provas reunidas até o momento e o relatório da investigação foram encaminhados na noite de anteontem ao magistrado para que dê encaminhamentos.

Segundo Heleno, as "ações hostis" do grupo chamado 300 do Brasil "contra jornalistas que acompanhavam o dia a dia do presidente" não eram de interesse do governo. O ministro disse, então, ter decidido promover uma reunião em seu gabinete no GSI para "mitigar" tais atos. No encontro, que durou aproximadamente uma hora, os extremistas teriam mencionado o interesse em adotar "posturas contra o STF", mas o general declarou à PF ter desaconselhado qualquer tipo de ação contra a instituição.

Blogueiro. Além do grupo extremista, o ministro afirmou ter recebido em seu gabinete o blogueiro bolsonarista Allan dos Santos, mas disse não se lembrar do que teriam tratado na ocasião. De acordo com Heleno, o influenciador – atualmente foragido nos Estados Unidos – "era uma pessoa que tinha acesso ao presidente". No depoimento, o chefe do GSI declarou que o contato com os extremistas era necessário diante da possibilidade de ataque, por isso era preciso "que houvesse uma posição pacífica de tal grupo para que o governo federal pudesse avançar nas negociações junto aos outros Poderes".

No período em que o 300 do Brasil permaneceu ativo, sob o comando da extremista Sara Giromini, o Planalto radicalizou o discurso contra o STF. No depoimento, Heleno afirmou ter entrado em contato com a líder do grupo durante as manifestações antidemocráticas de 2020. Em um dos atos, o presidente Jair Bolsonaro discursou em frente ao Quartel General do Exército, em Brasília, a milhares de manifestantes que pediam por intervenção militar. Na ocasião, Bolsonaro declarou que o governo não iria "negociar nada".

Diante das ofensivas do 300 do Brasil às instituições democráticas, Heleno disse à PF ter nomeado o capitão de fragata Flávio Almeida, que atua na comunicação do GSI, para manter contato com o grupo e "evitar ações radicais dos militantes". A PF chegou a questionar Heleno se ele esteve envolvido nos ataques com fogos de artifício ao STF, em junho de 2020. O ministro negou. O general também disse não ter dado nenhum tipo de orientação, apoio ou estímulo aos grupos responsáveis por ataques aos ministros da Suprema Corte e ao deputado Rodrigo Maia (sem partido-rj), à época presidente da Câmara.

No fim do depoimento, a delegada da PF informou a Heleno ter dados que indicam a existência de pessoas ligadas a Bolsonaro responsáveis por orientar ações virtuais, inclusive com ataques à honra, contra desafetos e opositores ao governo. Indagado, Heleno então respondeu que "tais dados não parecem ser verdadeiros". O Estadão entrou em contato com Augusto Heleno para comentar o depoimento, mas não obteve resposta.

'Orquestrada'. O depoimento de Heleno faz parte do inquérito que apura a atuação de milícias digitais, uma das frentes de investigação abertas no STF e que tem Bolsonaro como alvo. Relatório parcial produzido nessa investigação aponta indícios de uma "atuação orquestrada" para promover desinformação e ataques a adversários e instituições com objetivo de "obter vantagens para o próprio grupo ideológico e auferir lucros diretos ou indiretos por canais diversos".

A delegada ainda indicou como seria a estratégia do grupo que ela chamou de organização criminosa. Segundo ela, a atuação seria feita em quatro etapas: "1) eleição dos alvos; 2) preparação do conteúdo, separação de tarefas e definição dos canais usados para 'promover a amplificação do discurso'; 3) publicação simultânea de postagens com 'conteúdo ofensivo, inverídico e/ou deturpado'; 4) reverberação do conteúdo por meio da 'multiplicação cruzada das postagens por novas retransmissões'".

Compartilhamento. Aberta em julho do ano passado, a investigação sobre as milícias digitais nasceu de outra frente de apuração contra aliados e apoiadores bolsonaristas: o inquérito dos atos antidemocráticos. Na ocasião, o caso precisou ser arquivado por determinação da Procuradoria-geral da República (PGR). Antes de encerrá-lo, porém, o ministro Alexandre de Moraes, na condição de relator, autorizou o intercâmbio de provas e mandou rastrear o que chamou de "organização criminosa".