O Globo, n. 31517, 21/11/2019. País, p. 4

De volta à 2ª instância
Amanda Almeida
Bruno Góes
Isabella Macedo
Marco Grillo



A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou, na tarde de ontem, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que poderá permitir prisões após condenação em segunda instância. O texto foi aprovado por 50 votos a 12 depois que a relatora, deputada Caroline de Toni (PSL-SC), concordou em redigir novamente seu voto retirando o trecho que alterava o artigo 5º da Constituição, cláusula pétrea. O texto segue agora para análise de uma comissão especial que ainda deve ser instalada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Autor da proposta original, o deputado Alex Manente (Cidadania-SP) modificou a PEC na segunda-feira, conforme antecipado pelo GLOBO. A nova versão, protocolada após a obtenção de assinaturas de mais de um terço da Câmara, prevê alterações nos artigos 102 e 105 da Constituição, que tratam de recursos extraordinários e especiais, respectivamente. Assim, a condenação em segunda instância — nos tribunais de Justiça dos estados, do Distrito Federal e nos tribunais regionais federais — já seria considerada trânsito em julgado, com execução imediata da pena.

VOTO REFEITO

No início do mês, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por seis votos a cinco, que o início do cumprimento da pena só pode ocorrer após o esgotamento dos recursos, modificando o entendimento anterior que permitia a prisão após condenação segunda instância. A decisão levou à soltura do ex-presidente Luiz Inácio

Lula da Silva, condenado em segundo grau no caso do tríplex do Guarujá. O presidente do STF, Dias Toffoli, indicou, porém, que o Congresso poderia buscar alternativas para antecipar a execução da pena.

Caroline de Toni incluiu a nova versão de Manente em seu relatório, mas inicialmente manteve também a posição favorável à alteração no artigo 5º da Constituição. Parlamentares de partidos como o DEM, Republicanos e PSD ameaçaram entrar com obstrução, e a sessão chegou a ser suspensa para que De Toni refizesse seu voto, que passou a citar a admissibilidade somente das modificações nos artigos 102 e 105.

Os recursos especiais e extraordinários são substituídos, no texto de Manente, por “ação revisional especial” e “ação revisional extraordinária”. Esses instrumentos poderão ser apresentados aos tribunais superiores, de acordo com a redação da PEC, mas com uma série de requisitos, como tratar de questões que violem lei federal, desde que demonstrado o “interesse” ou “repercussão geral” — quando o resultado do julgamento baliza casos semelhantes —, entre outras exigências. O autor da proposta argumenta que os recursos aos tribunais superiores operam de maneira protelatória no formato atual, mesmo sem discussão de provas naquelas instâncias.

Manente também afirmou, no texto da PEC, que “como consequência do trânsito em julgado após o julgamento em segunda instância, permite-se a efetiva execução das sentenças judiciais, satisfazendo mais rapidamente os interesses jurídicos tutelados nas demandas”.

O Ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, parabenizou a CCJ da Câmara pela aprovação da proposta. Moro havia se reunido, na terça-feira, com um grupo de senadores para debater um projeto de lei sobre prisão em segunda instância que será pautado na CCJ do Senado.

— Eu sempre falei que, respeitada a decisão do Supremo, é importante para o nosso sistema de Justiça criminal que ele tenha o fim do processo em um prazo razoável, que absolva o inocente, mas que o culpado, quando reconhecido como tal, seja efetivamente punido. Para isso, é fundamental nós termos um processo mais célere, e isso depende realmente da execução em segunda instância —afirmou Moro.

“SEGURANÇA JURÍDICA”

No Senado, a votação de um texto substitutivo ao projeto original do senador Lasier Martins (Podemos-RS) para permitir a execução da pena após a prisão em segunda instância foi adiada para a próxima semana, após um pedido de vista do líder do PT, Humberto Costa (CE). O texto, costurado por um grupo de senadores com aval do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), altera três artigos do Código de Processo Penal (CPP). O pedido de vista ocorreu para a organização de uma audiência pública na CCJ do Senado, que tem Moro entre os convidados. O ministro da Justiça confirmou que comparecerá à audiência, marcada para a próxima terça.

Rodrigo Maia defendeu ontem a análise da “segurança jurídica” das propostas que tramitam paralelamente nas duas Casas.

— Vamos ver quais textos geram maior segurança jurídica. É melhor uma solução definitiva, mesmo que ela possa atrasar uma ou duas semanas (a aprovação) — declarou Maia.

ENTENDA O QUE FOI VOTADO

Qual é a regra vigente após a última decisão do STF?

Por seis votos a cinco, a Corte decidiu, no começo de novembro, mudar o entendimento que vigorava desde 2016 e determinar que o cumprimento da pena só pode ocorrer após o trânsito em julgado — quando o réu não tem mais recursos disponíveis.

Qual foi a alteração aprovada pela CCJ da Câmara?

A PEC de Alex Manente (Cidadania-SP) muda os artigos 102 e 105 da Constituição, acabando com recursos especiais e extraordinários no STJ e no STF. Assim, decisões em segunda instância já seriam consideradas com trânsito em julgado.

Por que o texto foi modificado antes da votação?

Parlamentares do centrão consideraram que a versão original da PEC, que dava nova redação ao artigo 5º da Constituição, mirava uma cláusula pétrea, que não pode ser modificada. A relatora Caroline de Toni (PSL-SC) retirou esta menção.

Em que ponto está o debate da segunda instância no Senado?

A CCJ do Senado deve votar, na próxima semana, um projeto de lei que altera três pontos do Código Penal para permitir a execução da pena após condenação em segunda instância. A proposta tramita paralelamente à PEC debatida na Câmara.