O Globo, n. 31468, 03/10/2019. Sociedade, p. 23

Queimadas na Amazônia dobram número de internações de crianças

Constança Tatsch


O número de crianças de até 10 anos internadas com problemas respiratórios, como pneumonia, asma, alergia e bronquite, dobrou nos meses de maio e junho em áreas próximas às queimadas na Amazônia, na comparação com regiões em que não havia focos de incêndio, de acordo com a Fiocruz.

Em aproximadamente cem municípios da Amazônia Legal, em especial nos estados do Pará, Rondônia, Maranhão e Mato Grosso, houve um total de 5.091 internações por mês, quando o valor esperado para a região era de 2.589. Ou seja, as queimadas provocaram um extra de 2,5 mil internações de crianças.

As queimadas acontecem no chamado “arco do desmatamento”, que compreende Acre, Amapá, Amazonas, parte do Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia e Tocantins, em geral de maio a outubro. Os especialistas da Fiocruz pontuam que, durante o período de seca na região —com menos chuvas, queda de umidade e queimadas —, já é registrado, normalmente, um aumento no número de casos de problemas respiratórios. A situação, porém, se agravou muito neste ano.

Ação mais direta

Dados de julho e agosto ainda estão sendo compilados pelos pesquisadores, masa expectativa é que a situação seja ainda pior:

— O número de internações deve ter sido ainda maior em julho e agosto. Por isso, estamos fazendo esse alerta ao SUS (Sistema Único de Saúde) eà população par aqueto me cuidado coma exposiçãoà fumaça e procure logo os postos de saúde quando as crianças mostrarem indisposição — afirma o pesquisador Christovam Barcellos, do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict), da Fiocruz.

Barcellos defende uma ação mais direta das equipes do governo, inclusive pelas dificuldades de deslocamento na região:

—O SUS tem que ir para a rua, não dá par aficar esperando essas crianças chegarem em estado grave ao hospital. Na Amazônia, há ribeirinhos, assentamentos agrícolas distantes, grupos indígenas com dificuldade de acesso aos hospitais. As equipes de saúde da família, embora estejam passando por um desmonte nos últimos meses, precisam ativamente pro- curar casos e informar pais e mães sobre ações preventivas, como nebulizações.

Em cidades como Santo Antônio do Tauá, Ourilândia do Norte e Bannach, no Pará; Santa Luzia d’Oeste, em Rondônia; e Comodoro, no Mato Grosso, o número de internações foi ainda maior do que a média: cinco vezes mais do que o esperado para a mesma época. Mas o chamado “material particulado” — resíduo tóxico gerado por queima — pode também alcançar cidades mais populosas situadas a centenas de quilômetros dos focos de queimadas, por conta do transporte de poluentes pelos ventos.

As crianças são mais suscetíveis porque, frisa Barcellos, “seu sistema imunológico ainda está em desenvolvimento, e o aparelho respiratório, em formação”. Uma criança em atividade aspira até cinco vezes mais do que um adulto parado.

— A partícula da queimada tem uma composição mais orgânica, é uma fuligem muito fina com capacidade de penetração muito grande, cheia de elementos tóxicos e cancerígenos. É muito diferente da poluição de poeira ou da cidade, muito pior —diz o sanitarista.