O Globo, n. 31468, 03/10/2019. País, p. 7

MPF usou ação controlada em busca de provas de esquema

Bernardo Mello
Juliana Castro


A investigação do Ministério Público Federal (MPF) sobre a ação do suposto grupo criminoso instaurado na Receita Federal usou ao menos duas ações controladas na tentativa de provar extorsões promovidas por auditores fiscais contra investigados na Lava-Jato. O expediente foi autorizado pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio.

Segundo o MPF, foi por meio de uma ação controlada que se comprovou um depósito de € 50 mil em propina paga pelo empresário Ricardo Siqueira Rodrigues, no fim de 2018, em uma conta mantida em Portugal pelo analista da Receita Marcial Pereira de Souza. Todos os suspeitos negam o cometimento de crimes.

Rodrigues prestou depoimento ao MPF em novembro do ano passado. Ele entregou gravações de áudio e imagens de câmeras de segurança de um restaurante que mostravam encontros organizados por Marcial. Nas reuniões, segundo a investigação, o analista da Receita exigiu o pagamento de € 550 mil, em seis parcelas, para suspender ações fiscais contra Rodrigues.

No depoimento, o empresário concordou em participar da ação controlada e concretizar o depósito da primeira parcela na conta indicada por Marcial. Assim, o MPF diz ter comprovado, por meio de recibo da transação, que o funcionário da Receita era o proprietário da conta, mantida em conjunto com sua mulher, Mônica Souza. Outra ação controlada permitiu a gravação, no escritório de Marcial, de um ajuste do pagamento.

FETRANSPOR

Chefe da equipe da Receita que elaborava dossiês de investigados suspeitos de sonegação fiscal, Marco Aurélio Canal é apontado como a liderança do grupo criminoso. A pedido do MPF, Bretas autorizou o bloqueio de até R$ 13,8 milhões de bens ligados a Canal, por suspeita de corrupção ativa e lavagem de dinheiro.

Segundo o MPF, o próprio Canal solicitou R$ 4 milhões de representantes da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio (Fetranspor) para suspender um procedimento fiscal que, de acordo com a investigação, poderia levar a uma autuação da entidade no valor de R$ 50 milhões.

Os procuradores apontaram que o pagamento da vantagem indevida a Canal teve como intermediário o ex-auditor da Receita Elizeu Marinho, que passou a trabalhar com Narciso Gonçalves, da empresa de ônibus Evanil. De acordo com mensagens obtidas pelo MPF, Gonçalves ajudou a organizar, entre o fim de 2016 e o início de 2017, reuniões com o então presidente da Fetranspor, Lélis Teixeira, e com o ex-presidente da entidade José Carlos Lavouras para acerto da propina.

Lélis relatou as negociações em delação premiada firmada com o MPF após ser preso na Operação Ponto Final, em julho de 2017. Lavouras, que fugiu para Portugal após ser alvo da Lava-Jato naquele ano, é considerado foragido pelo MPF.

Em nota, a Fetranspor negou que tenha ocorrido o encerramento de procedimentos fiscais da Receita e informou que o contrato com o escritório de Elizeu Marinho foi encerrado em outubro de 2017. “A medida foi tomada após a realização de uma rigorosa auditoria, conduzida por um renomado escritório de advocacia, que identificou contratos em que não havia a prestação de serviços comprovada”, diz a Fetranspor.