O Globo, n. 31468, 03/10/2019. País, p. 4

Limites, mas sem consenso

Carolina Brígido


O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu votar regras para limitar o alcance da decisão que ameaça condenações da Lava-Jato pelo entendimento de que réus delatores e delatados devem ter prazos diferentes para apresentar suas alegações finais nos processos.

O presidente da Corte, Dias Toffoli, sugeriu três requisitos para o réu ter a condenação anulada: que ele tenha recorrido da ordem das alegações finais de delatores e delatados ainda na primeira instância; que a defesa comprove que ficou prejudicada com a abertura conjunta de prazo; e que o acordo de delação tenha sido previamente homologado. Seria uma forma de criar um filtro e anular apenas parte das condenações da Lava-Jato, sem comprometer a operação toda.

O desfecho do julgamento foi adiado. Com a possibilidade de ministros contrários à proposta de Toffoli não comparecerem hoje no plenário, o presidente da Corte decidiu só pautar o caso quando houver um maior entendimento entre os magistrados. Assim, haverá mais tempo para se chegar a uma decisão de consenso.

Na sessão de ontem, foi sacramentado o placar de sete votos a quatro a favor da ideia de que réus delatados devem apresentar alegações depois dos delatores, após o voto do ministro Marco Aurélio Mello, que não estava presente na sessão da semana passada e se juntou ao grupo minoritário. E por oito a três, os ministros decidiram que é necessário aprovar uma tese para orientar todo o Judiciário.

No entanto, muitos não deixaram claro se concordam ou não com a proposta apresentada por Toffoli. Rosa Weber e Luís Roberto Barroso, por exemplo, disseram que acham necessário aprovar uma tese, mas que ela não necessariamente seria a sugerida pelo presidente. Ficou acordado que serão necessários seis votos (maioria simples) para aprovação desse balizamento.

Ao se juntar à ala que foi voto vencido, o ministro Marco Aurélio fez um discurso contra o entendimento majoritário, chegando a afirmar que o STF estava dando um “jeitinho brasileiro”.

— O Supremo não legisla, submete-se à lei (em vigor). E réus delatores e delatados têm condição única no processo, segundo a legislação. A sociedade aplaude a Lava Jato. O Supremo vem dizer que não foi bem assim, que o sucesso se fez contaminado. (...) A guinada não inspira confiança, gera descrédito. Sendo a história impiedosa, passa a ideia de um movimento para dar o dito pelo não dito em termos de responsabilidade penal, com o famoso jeitinho brasileiro.

Dias Toffoli fez um discurso em plenário em defesa da Corte. Nos últimos dias, o tribunal sofreu críticas por ter aprovado tese que coloca em xeque condenações da Lava-Jato. Toffoli disse que, se não fosse o Supremo, não haveria combate à corrupção no Brasil:

— Todas as leis que aprimoraram a punição à lavagem de dinheiro, as leis que permitiram a colaboração premiada, as leis de transparência foram previstas com suporte do STF. É uma falácia dizer o contrário, é uma desonestidade intelectual. Se não fosse este STF, não haveria combate à corrupção no Brasil.

Depois de três horas de discussão em plenário, e diante da dificuldade de consenso em torno de um enunciado final, Toffoli adiou o debate sobre a tese. Até lá, o movimento será de bastidores, para tentar convencer a maioria dos colegas a seguirem sua sugestão.

Seja qual for (e se houver) a tese a ser aprovada pelo STF não terá efeito vinculante — ou seja, será apenas uma orientação a juízes de todo o país, e não uma obrigação de segui-la.

Sítio de Atibaia

A proposta apresentada pelo ministro Barroso na semana passada tem pouca chance de prosperar. Ele quer que a nova regra seja aplicada apenas a partir de agora, ignorando condenações passadas. Apenas Luiz Fux se manifestou favorável a ela. A Procuradoria-Geral da República (PGR) apoiou essa alternativa.

Se a tese de Toffoli for aprovada, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva poderá ter sua condenação pelo processo do sítio em Atibaia anulada. Como a prisão do petista foi determinada com base em outro processo, o do triplex no Guarujá, isso não resultaria na libertação dele. Mas poderia retardar uma nova ordem de prisão no caso do sítio.

“A guinada não inspira confiança, gera descrédito. Passa a ideia de um movimento para dar o dito pelo não dito, com o famoso jeitinho brasileiro”.

Marco Aurélio Mello

“Vamos tirar o direito do cidadão de falar por último? Em 2015, este plenário determinou que o delatado fará o contraditório sempre após a delação”.

Dias Toffoli

Perguntas e respostas sobre o julgamento

> Todo réu poderá ter a condenação anulada a partir do que foi decido pelo STF?

Ainda não é certo. Na semana passada, o Supremo decidiu que réus delatores devem apresentar alegações finais em processos antes dos réus delatados, de modo a garantir a esses últimos a palavra final. Nos processos da operação Lava-Jato até aqui, a praxe era abrir prazo conjunto para as alegações de todos os réus. Assim, a decisão poderia significar a anulação de muitas sentenças da Lava-Jato, com o retorno do processo à fase de alegações finais, para ser repetida da maneira correta. Na sessão de ontem, foi confirmado o placar de sete a quatro a favor de se fixar uma tese para amenizar a amplitude da decisão da semana passada (quando foi anulada a condenação de um ex-diretor da Petrobras). Agora, os ministros buscam um consenso para fixar critérios que definam em quais casos as sentenças poderão ser anuladas. A proposta do ministro Luís Roberto Barroso, de que a nova regra estabelecida valha apenas para casos daqui em diante, e não para cassar sentenças já proferidas, não deve prevalecer por ter encontrado concordância apenas do ministro Luiz Fux.

> Quais as hipóteses para a continuidade do julgamento?

O presidente do STF, ministro Dias Toffoli, sugeriu três requisitos para o réu ter a condenação anulada: que ele tenha recorrido da ordem das alegações finais de delatores e delatados ainda na primeira instância; que a defesa comprove que ficou prejudicada com a abertura conjunta de prazo; e que o acordo de delação tenha sido previamente homologado. Alguns dos ministros não concordam com o estabelecimento desses critérios. Sem consenso, é possível que apenas parte dessas sugestões seja aprovada, o que motivou o adiamento da decisão.

> Quantos votos são necessários, entre os 11 ministros, para determinar uma regra que possa rever condenações?

Os ministros definiram ontem a necessidade de ao menos seis dos 11 votos para a aprovação da tese e para o estabelecimento de critérios de orientação para balizar as decisões de outros juízes pelo país em outros processos. Como o atual julgamento no STF não tem o chamado efeito vinculante, o que for decidido servirá só como orientação para os demais magistrados, que não terão obrigatoriamente de seguir o mesmo entendimento nos processos que julgarem.

> Quais casos do ex-presidente Lula poderão ser afetados pela decisão do STF?

Se forem aprovados os critérios propostos pelo ministro Dias Toffoli, o ex-presidente poderá requerer a anulação da condenação do caso do sítio de Atibaia, no qual Lula teve o mesmo prazo para apresentar alegações finais do que réus delatores. No processo do tríplex do Guarujá, pelo qual o petista cumpre pena na sede da Polícia Federal em Curitiba, não havia réus com delação premiada homologada no momento da sentença, o que em tese exclui este processo do tipo de caso que está sendo julgado pelo Supremo Tribunal Federal.