O Globo, n. 31519, 23/11/2019. Sociedade, p. 32

Atacados, servidores da Funai deixam base que protegia índios
Leandro Prazeres


Índios isolados da Terra Indígena do Vale do Javari, no extremo Oeste do Amazonas , estão sem a proteção de funcionários da Fundação Nacional do Índio (Funai) desde a manhã de anteontem. O último servidor da Funai que atuava na base de proteção etnoambiental localizada no rio Ituí deixou o local após uma série de ataques com disparos à instalação. Sem proteção, os funcionários da Funai estão se recusando a ir à base.

Há duas semanas, a Justiça Federal do Amazonas determinou que a União desse proteção à Funai, mas Polícia Federal, Exército e Força Nacional de Segurança não responderam aos ofícios enviados pelo Ministério Público Federal (MPF) solicitando ajuda.

A base de proteção etnoambiental Ituí-Itacoaí é a principal instalação da Funai para garantir a segurança dos índios isolados que vivem no Vale do Javari. Além de proteger os isolados, a base também atua caso haja ameaça a outros indígenas da região, como os marubo, de recente contato.

A região é uma das mais preservadas e remotas do Brasil e, nos últimos anos, vem sendo alvo de caçadores clandestinos, madeireiros e garimpeiros ilegais.

Em setembro, um colaborador da Funai foi morto a tiros em Tabatinga, na área da tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru.

No dia 8 de novembro, a Justiça Federal do Amazonas determinou que a União fornecesse homens para fazer a segurança dos funcionários da Funai que atuam na base.

A ação, segundo a ordem judicial, seria coordenada pelo MPF, que então enviou ofícios para o Exército, Polícia Federal, Força Nacional de Segurança e para a Secretaria de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM).

Em nota, o MPF disse que apenas a SSP-AM respondeu colocando-se à disposição.

Relatos obtidos pela reportagem indicam que os funcionários que deveriam substituir a equipe que estava na base não quiseram se dirigir ao local por temerem novos ataques.

— Os servidores se recusaram a subir (o rio) sem proteção, por temerem por sua segurança — disse um funcionário do órgão, que falou sob a condição de anonimato. Para o vice-presidente da associação dos índios da etnia marubo do rio Ituí, Lucas Marubo, a situação coloca em risco a vida tanto dos funcionários da Funai quanto dos índios.

— Se não tem segurança para eles, também não tem segurança para nós, que vivemos na região. Os invasores estão à espreita só esperando para entrar. Sem ninguém da Funai lá, fica mais fácil para eles. A situação é muito perigosa —alerta Lucas Marubo.

A base de proteção aos índios isolados vem sendo alvo de manifestações de indigenistas e de servidores da Funai. Bases como essa são consideradas essenciais para coibir a invasão das terras indígenas onde vivem os isolados. Elas são equipadas com sistema de rádio, que é acionado quando invasores são detectados.

No dia 6 de novembro, uma carta assinada por dezenas de funcionários da Funai alertava sobre os riscos da falta de segurança.

“O processo de fragilização das condições de trabalho das FPEs (Frentes de Proteção Etnoambiental) tem se agravado nos últimos meses pelos motivos supracitados, podendo levar ao risco iminente de paralisação das atividades das Bases Avançadas de Proteção Etnoambiental (BAPE), inviabilizando a atuação dos servidores e, consequentemente, da Funai, em sua missão institucional de garantia e promoção dos direitos desses povos”, diz um trecho do documento.

MUNDO EXTERIOR

Os índios isolados são aqueles que ainda não foram contatados ou que, voluntariamente, decidiram viver sem contato com o mundo exterior. Eles são considerados extremamente vulneráveis à proximidade com os não índios tanto pelas diferenças culturais quanto pela vulnerabilidade a doenças para as quais não tenham defesas imunológicas.

De acordo com a Funai, o Brasil tem 114 registros de índios isolados ou de recente contato. Desses, 28 já foram confirmados. Para defendê-los, a Funai criou 11 frentes que coordenam 19 bases, todas localizadas na floresta amazônica, em áreas de difícil acesso. Após a publicação dessa reportagem no site do GLOBO, na noite de ontem, o Ministério da Justiça informou que, na próxima segunda-feira, a Força Nacional e a Funai irão se reunir para tratarem do envio de pessoal à terra indígena do Vale do Javari. O MJ não esclareceu quando as tropas seriam enviadas. A reportagem enviou perguntas também ao comando do Exército, mas não obteve retorno.