O Globo, n. 31468, 03/10/2019. Opinião, p. 3

A CPI da democracia

Amaro Grassi
Vinícius Wu


Foi instalada, no início de setembro, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que pretende investigar “os ataques cibernéticos que atentam contra a democracia e o debate público (...)”. O escopo definido pelos parlamentares é bastante amplo e o desafio, complexo. Mas, em torno desta comissão, definida como “das Fake News”, será travado um dos debates mais importantes para o futuro da democracia no país.

O fenômeno da desinformação é atualmente uma preocupação global. Nas sociedades democráticas, a comunicação em rede, por meio das tecnologias digitais, tem servido ao incremento do debate democrático, mas também facilitado a distorção do debate público e a manipulação da informação. As eleições nos EUA e a votação do Brexit foram casos emblemáticos, mas não únicos.

A defesa das instituições democráticas, porém, se dará no plano nacional, pela ação do Parlamento e da Justiça, com participação central da sociedade. A FGV DAPP, em estudos desenvolvidos por meio da Sala de Democracia Digital, identificou já em 2014 estratégias de desinformação que, desde então, apenas se intensificaram. É por esse motivo que a CPMI adquire enorme relevância na consolidação do processo democrático brasileiro.

As ações de desinformação se utilizam da automação e compartilhamento massivo de conteúdo para impactar a formação da opinião pública, tornando o debate público suscetível à ação de grupos de interesse, inclusive internacionais, e ao abuso do poder econômico e político em escala antes inimaginável.

Caberá à CPMI dialogar com a sociedade, cobrar responsabilidade de empresas e plataformas de mídias digitais, além de apontar caminhos para que as instituições públicas se preparem para uma ação efetiva em favor da preservação das liberdades democráticas e do direito à informação.