Correio Braziliense, n. 21372, 20/09/2021. Política, p. 3 

Desafio do presidente da ONU 

Israel Medeiros 


O presidente Jair Bolsonaro viajou ontem a Nova York para participar da 76ª Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU). Esta é a terceira vez que o chefe do Executivo brasileiro participa do evento. Desde 1955, o Brasil é o responsável pelo discurso de abertura, logo após as falas dos representantes da anfitriã, ONU. Um dos principais desafios do mandatário na ONU é tentar melhorar a percepção de líderes de outras nações sobre o Brasil. Em meio à pandemia, o país passa por uma crise institucional e é considerado vilão quando o assunto é preservação ambiental. Entre especialistas, é quase consenso de que a participação do presidente não servirá para nada mais que fazer política para sua base fiel. 

Ao chegar à cidade, Bolsonaro entrou pela porta dos fundos do Hotel Intercontinental Barclay, onde está hospedado. Alguns poucos manifestantes contra o governo aguardavam Bolsonaro com faixas na porta do hotel. Não havia apoiadores do presidente no local. Driblando regra que exige comprovante de vacinação em restaurantes, presidente e parte da comitiva comeram pizza na calçada. 

O avião presidencial pousou em Nova York às 16h30 do horário local. Diplomatas e seguranças esperavam o presidente na entrada, mas informaram à imprensa, já perto das 18h, que a comitiva presidencial havia entrado por uma porta traseira por determinação do Serviço Secreto americano. A outros hóspedes que entravam no hotel, o pequeno grupo de manifestantes gritava em português e inglês "Bolsonaro genocida" e "criminoso". 

Durante a estadia de Bolsonaro, estão previstos encontros com lideranças conservadoras de outros países. A primeira, hoje, será com o primeiro-ministro do Reino Unido, o conservador Boris Johnson. No dia seguinte, o presidente se encontrará com o presidente conservador da Polônia, Andrzej Duda, eleito em 2020. Entre suas principais ações no primeiro ano de governo, estão reformas que limitam a autonomia do Poder Judiciário — uma lei que possibilita a punição de juízes que criticam o governo e até um projeto que propôs a proibição da adoção de crianças por casais homossexuais. 

Para Juliano Cortinhas, professor de Relações Internacionais da UnB, o país vive uma situação delicada quando o assunto é relacionamento com outros países. Ele lembra que o Brasil já foi respeitado por grandes potências, quando investiu em ampliar o diálogo e as conversas bilaterais com vários países nos governos de Lula e Fernando Henrique. 

Agora, explica, a situação é bem diferente. "Com Bolsonaro, é um desastre. Ele abandona diversas das nossas tradições de política externa, começa a criticar a ONU, a OMS (Organização Mundial da Saúde), começa a falar em um mundo dominado por globalistas, comunistas, algo que foi personificado pelo ex-ministro (das Relações Exteriores) Ernesto Araújo com teorias da conspiração. As lideranças veem a dificuldade do Brasil em conter a pandemia e os péssimos indicadores econômicos", pontua. 

O professor destaca, também, que a defesa dos direitos humanos e do meio ambiente são pautas fundamentais para os agentes internacionais. Por isso, o Brasil está em uma posição de desvantagem, já que o governo federal trata esses temas como desimportantes. No caso da preservação ambiental, especificamente, ele afirma que é preciso um esforço coletivo para frear as mudanças climáticas. Portanto, quando o país fica de fora dos esforços, a tendência é uma ampliação do isolamento. 

Diante de um cenário praticamente sem volta quando o assunto é confiança internacional, Cortinhas acredita que o discurso do mandatário será voltado para seus eleitores — o que deve piorar ainda mais as coisas. "O Bolsonaro está sob pressão. Mais do que em outras assembleias gerais. E ele, sob pressão, parte para o ataque, para agressões. A tendência, para mim, é que ele dê um discurso totalmente desconectado da realidade. Me parece que falta, por parte dele, noção da importância da ONU. Esse é um discurso que pauta muitos investidores, analistas que olham para o Brasil para saber como o país está caminhando. Quando ele fala absurdos e não assume compromissos, isso traz prejuízos", afirma. 

O isolamento do Brasil, capitaneado pelo presidente, é o responsável pela relação cada vez mais distante entre o país e os Estados Unidos, por exemplo. Após a eleição do presidente Joe Biden, não houve tentativas de aproximação de nenhuma das partes. E, para Cortinhas, essa aproximação não deve acontecer. "Por tudo que o Bolsonaro disse sobre o Biden, não haverá estreitamento dessas relações, elas não vão se normalizar enquanto Bolsonaro for presidente. Esperamos que, após as eleições do ano que vem, possa ocorrer uma retomada", pontua. 

Desconfiança 

Com a imagem manchada, as conversas do presidente Bolsonaro na Assembleia-Geral deverão ser em vão. Isso porque tanto a política de enfrentamento quanto os discursos contra a democracia e a autossabotagem do mandatário geram grande desconfiança de outros países, mesmo naqueles de viés conservador. É o que acredita o cientista político Eduardo Grin, da Fundação Getulio Vargas (FGV). 

"O governo é antissistema e isso gera falta de confiança. O discurso do presidente não é crível, o que deixa o Brasil para trás nos acordos internacionais. Esse tipo de problema não se recupera da noite para o dia. O Brasil era reconhecido pela luta pelo meio ambiente e por outras causas. Isso se perdeu com o governo Bolsonaro", ressalta. 

O isolamento do presidente no atraso da compra de vacinas contra a covid-19, é outro fator que contribui para o fracasso da política internacional brasileira, segundo Grin. "Essa visão de que o Brasil não precisa ter conexão com o resto do mundo é típica de lideranças populistas que pensam que o que importa é governar pra dentro, mesmo que isso signifique problemas com outros países", pontua. 

Para ele, contemplando o cenário incerto que deve dominar o país no próximo ano com as eleições, as nações que desejam investir no Brasil ou fazer acordos precisarão ter paciência. "Não tem volta. Quem tem interesse em investir no Brasil vai esperar até 2023. Tudo indica que o Bolsonaro vai intensificar as medidas populistas no ano que vem e, dada à falta de confiança dos agentes na política econômica do governo, que não existe, ninguém vai investir no ano que vem no Brasil", aposta Grin. 

Principais falas do presidente nas edições anteriores: 

"Em primeiro lugar, meu governo tem o compromisso solene com a preservação do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável em benefício do Brasil e do mundo" (2019) 

“É uma falácia dizer que a Amazônia é patrimônio da humanidade e um equívoco, como atestam os cientistas, afirmar que a nossa floresta é o pulmão do mundo” (2019) 

"Meu país esteve muito próximo do socialismo, o que nos colocou numa situação de corrupção generalizada, grave recessão econômica, altas taxas de criminalidade e de ataques ininterruptos aos valores familiares e religiosos que formam nossas tradições" (2019) 

"A Amazônia brasileira é sabidamente riquíssima. Isso explica o apoio de instituições internacionais a essa campanha escorada em interesses escusos que se unem a associações brasileiras, aproveitadoras e impatrióticas, com o objetivo de prejudicar o governo e o próprio Brasil” (2020) 

"Nosso agronegócio continua pujante e, acima de tudo, possuindo e respeitando a melhor legislação ambiental do planeta. Mesmo assim, somos vítimas de uma das mais brutais campanhas de desinformação sobre a Amazônia e o Pantanal" (2020) 

"Como aconteceu em grande parte do mundo, parcela da imprensa brasileira também politizou o vírus, disseminando o pânico entre a população. Sob o lema 'fique em casa' e 'a economia a gente vê depois', quase trouxeram o caos social ao país" (2020) 

"Nossa floresta é úmida e não permite a propagação do fogo em seu interior. Os incêndios acontecem praticamente nos mesmos lugares, no entorno leste da Floresta, onde o caboclo e o índio queimam seus roçados em busca de sua sobrevivência, em áreas já desmatadas" (2020)